Livia e Bruna escreveram
Northbound – Rumo ao Norte
Texto de Lívia complementado por Bruna
Dois voos atrasados nos deram dois dias em Perth, ensolarada
cidade de belas praias da Austrália ocidental, antes de chegarmos em Kununurra,
nosso destino.
Vista da cidade de Perth
E as praias de Perth
Vista de Kununurra
Nossa casa em Kununurra
Perdemos o jantar de recepção que o staff do Mirima Language Center tinha preparado, mas em tempo para assistir a uma sessão de
trabalho mestre-aprendizes, com a presença de uma dezena de mulheres e dois
homens aborígenes. Nesta, Miriwoong
language workers (não aborígenes, como uma jovem australiana e uma jovem
americana...com contratos temporários e aprendendo Miriwoong) conduziam
pequenos grupos com a presença de uma/um anciã/o (elder) com o objetivo de formular e aprender maneiras de fazer
perguntas e respostas. O tema do dia era “tartarugas”, parte de um livro em
produção sobre animais que vivem na água. Uma sessão coletiva seguiu, em que
cada um compartilhou suas frases com os outros enquanto nosso anfitrião e
coordenador do Centro, o alemão Knut Olawsky, escrevia tudo no quadro. Cada
frase era lida, depois apagada e repetida por todos (memorização).
Mirima Language Center
Sessão de trabalho entre mestres e aprendizes da língua Miriwoong
Mestres e aprendizes, com language worker.
O staff e os language
workers nos falaram sobre o Centro, a terra Miriwoong e a língua.
Desenvolvem duas linhas principais de trabalho e pesquisa: documentação e
revitalização; o chamado language nest
(ninho da língua). As sessões mestre-aprendizes fazem parte da estratégia de
revitalização, assim como a produção de livros e materiais pedagógicos. Os
linguistas K.J. and Frances Kofod estão elaborando uma gramática Miriwoong,
produto do trabalho de documentação, além do dicionário existente e em via de
ampliação.
Cartaz no Mirima Language Center: palavras para novos referentes
Perguntamos para Knut se outras línguas, além do Miriwoong,
estavam incluídas no programa do Language
Center. A resposta: foi necessário escolher, focar, a língua mais passível
de revitalização, o Miriwoong, que conta ainda com alguns falantes plenos (os
mais idosos). Chamou nossa atenção a engenharia linguística que aqui também,
como em todas as outras experiências de revitalização, é implementada. Disse
Knut: estamos criando uma nova língua, simplificada, em experimento junto com a
comunidade Miriwoong, para que possa ser aprendida por crianças e adultos como
2ª língua. O problema é a complexidade morfológica do Miriwoong, como outras
línguas aborígenes (200 formas verbais!). Os vizinhos dos Miriwoong aceitaram a
escolha e apoiam o projeto, mesmo perdendo definitivamente suas próprias
línguas. Tentar revitalizar uma para não perder todas.
Mestre Mirowoong
A mestre Pauline
Tivemos algum tempo no primeiro dia para andar pela
cidade e ver duas galerias de arte aborígene. Kununurra é densamente habitada
por aborígenes de grupos étnicos diferentes e é onde os contrastes sociais são
mais aparentes. Grades protegem janelas e portas de casas e lojas; extensas
listas de “é proibido” estão na entrada de supermercados e vendas de alimentos.
Por outro lado, aborígenes, geralmente em grupos familiares, sentam na sombra
de árvores, no chão, hábito bem tradicional, enquanto alguns deles fazem
compras nos estabelecimentos onde podem entrar, sempre sob os olhos de algum
segurança (branco). Vários descalços (calor de mais de 40º, pés sobre o
asfalto...), vários homens claramente bêbados. O alcoolismo é uma praga, gera
violência doméstica e entre famílias, destrói corpos e almas.
Em seguida, fomos para uma creche pública com o team do Language Nest para ver o tipo de
atividades, apenas iniciadas, que estão sendo realizadas com crianças de 2 a 5
anos. Três mulheres Miriwoong e a language
worker sentadas num sofá na frente de uma dezena de pequenos, alguns
atentos, outros bagunceiros, aborígenes e não. Falam somente em Miriwoong e
ensinam pequenos cantos e pequenas frases com o uso de bonecos de papel feitos
no Language Center. As crianças
pareciam gostar, mas meia hora, três vezes por semana é muito pouco...mas é
alguma coisa. De fato, o que é chamado de Language
Nest não é propriamente Language Nest,
que significa imersão total num ambiente monolíngue (em língua indígena) por
tempo longo (num acampamento de férias, por exemplo, onde crianças e adultos
interagem com falantes mais velhos). Vimos algo bem diferente em Kununurra:
contatos breves em contexto escolar.
Voltamos para o Language
Center para a nossa apresentação (o que somos e o que fazemos no Brasil,
quem são os índios, direitos à terra e problemas, educação bilíngue e
problemas). Fechamos com dois vídeos do Coletivo Kuikuro de Cinema (Ihingi e Kindene).
Conversamos com David, Miriwoong que voltou a falar a língua e que está
começando a trabalhar num serviço novo na Austrália, o de intérprete, cujo
centro na região está na cidade de Brum. David expôs críticas contundentes à
política assimilacionista do governo australiano, impressionado com os direitos
à terra definidos na Constituição brasileira de 1988, algo impensável aqui. Os Native Titles não garantem direitos à
posse da terra e de seus recursos, não anulam propriedades incidentes em terras
indígenas, são apenas reconhecimentos formais que podem ser usados para
“negociações”, em eventuais longuíssimos processos jurídicos.
David e Dwain no Mirima Language Center
David intérprete
Concluímos nossa estadia em Kununurra com uma breve viagem para a
terra Miriwoong adentro, com os Miriwoong e o pessoal do Language Center. A elder
Pauline nos submeteu ao ritual do Welcome
to the Country, nos banhando nas águas frescas provenientes de uma pequena
cachoeira e de uma deliciosa piscina natural encrustada nas pedras ocres e
vermelhas. Sentamos, comemos e ouvimos Pauline ensinar sua língua e contar
histórias.
Molly Springs - Miriwoong Land
Pauline
Pauline comendo e ensinando Miriwoong
Preparando o picnic
Pauline gravando frases em Miriwoong
Vimos flores e plantas e animais. No caminho de volta paramos várias vezes para catar pedras de ocre e bush bananas. Pauline catava incansável pedaços de madeira e de entrecasca.
Catando pelo caminho de volta
Tirando bush-bananas
Não foi o único banho em águas limpas e refrescantes em terra Miriwoong.
Por duas vezes, vimos o sol se pôr nas piscinas naturais do The Grotto e de
Black Rock, não longe de Kununurra.
The Grotto
Voltando de The Grotto
Black Rock pool
Deixamos Kimberley,
lembrando das fortes e sábias mulheres Miriwoong.
Bruna escreveu:
Alice Springs e Yuendumu:
línguas, tecnologia digital, comunicação e arte.
Até
que enfim...40% das línguas aborígenes da Austrália Central e Northern Territory são ainda vitais, transmitidas
como primeira língua, podem ser ouvidas nas ruas de Darwin, Kununurra, Alice
Springs, Yuendumu.
E
rumo para Alice Springs (via Darwin) no dia 5 de abril. Do avião uma visão da região de Kimberley,
lembra o cerrado de Mato Grosso, ainda seco, imensos lagos artificiais de água
barrenta criados por grandes barragens, que servem sobretudo para irrigação de
cultivos de soja e algodão. O Lake Argyle
é o maior, ao lado das minas de diamantes. Na Austrália, muita da energia é
gerada ainda por usinas movidas a carvão, as mais poluentes.
Uma
noite em Darwin – para mim cidade mítica, talvez pelo nome, talvez pela
lembrança dos bombardeios japoneses na II Guerra Mundial - o tempo de jantar fish&chips no porto (wharf).
Hipocrisia e retórica. No
aeroporto, nos hotéis, nas ruas, desenhos aborígenes e outdoors agradecendo os Traditional Owners, Custodians of the Land.
Tudo devidamente “aborigenizado” para lembrar que “este lugar foi dos
aborígenes, não é mais, obrigado por nos dar o chão sobre o qual este aeroporto
ou este hotel foi erguido...”. Um antídoto contra a possibilidade de qualquer
reclamação. Esta é a presença indígena mais evidente em Darwin; estamos no Northern Territory onde teve início a
concessão dos Native Titles e onde
há, de fato, Aboriginal Lands (o que
não dá nenhum direito de posse ou propriedade coletiva, como já dissemos).
Saguão do hotel em Darwin
Daqui
em diante usarei o termo Whitefella para
me referir aos Brancos, termo usado pelos nativos daqui.
Caminhando
pela rua das lojas de arte aborígene e cafés, Alice Springs parece uma Saint-Tropez
do deserto central. Curiosa e fascinada pela beleza produzida pelos artistas
aborígenes da região, entrei em várias lojas, verdadeiras galerias de arte ou
boutiques do naïf cultivado. A quantidade de quadros e telas expostos para
venda é impressionante, pendurados nas paredes ou como roupas em cabides. E é
estonteante a beleza que vem de cada um deles, formas e cores no estilo
clássico pontilhado, dreaming stories,
transformações para novas criatividades individuais. Sem esquecer os pintores
de landscapes, arte figurativa
paisagística finíssima, como os clássicos Wenten Rubuntja e Ivan Parka.
Galeria de arte aborígene em Alice Springs
Ivan Panka (foto de livro exposto no workshop no Desert People Center)
É
um mercado que vai muito além da Austrália Central e da própria Austrália. Os
artistas australianos estão nos museus do mundo inteiro, nas casas dos
colecionadores, nos depósitos e showrooms de galerias e comerciantes
internacionais. Pensei, vendo a quantidade de peças e os preços altos: algum
dinheiro, talvez muito, deve chegar aos artistas aborígenes, eis uma fonte
interessante de dinheiro, para eles. Vivem de arte?
Em
Yuendumu, comunidade e terra Warlpiri, a 300 km de Alice Springs, vimos a outra
ponta do comércio de arte aborígene. Yuendumu é uma pequena vila aborígene, um
tanto depressiva pela sua aparência de assentamento e não tanto de uma,
digamos, aldeia com posto da FUNAI. É a maior comunidade aborígene da
Austrália, com quase mil pessoas. Um carro de polícia, correio, a igreja
batista (tão antiga quanto a vila), a sede do Land Council, o centro de
atendimento à mulher e ao idoso, a escola, umas vendas, casas.
Uma rua de Yuendumu
O
centro de arte está localizado do outro lado da rua onde se localiza a guest house, onde, evidentemente,
ficamos hospedados. A vila estava meio vazia e a escola fechada por uma semana:
muitas família tinham ido receber os royalties da Yuendumu Mining Company, propriedade aborígene, com administração
do Land Council warlpiri e cujo
manager é o geólogo Frank Baarda (vejam mais adiante).
A
visita ao Centro de Arte Warlpiri, em Yuendumu, foi especialmente instigante.
Foi aqui que começou a história recente da arte aborígene, quando uma
antropóloga francesa (Françoise Dussart), nos anos 70, em viagem de pesquisa, descobriu
e documentou um conjunto de pinturas deslumbrantes (todas Dreaming Stories) feitas sobre as portas da escola e de algumas
casas. Tudo está num livro. Uma
nova edição, ampliada, acaba de ser lançada pelo South Australian Museum e
Wakefield Press: Philippe Jones with Warlukurlangu artists, Behind the Doors: An Art History from Yuendumu.
Nos
amplos espaços do Centro funciona toda a infraestrutura necessária, e muito bem
organizada, para a produção contínua de pinturas Warlpiri: assessoria
artística, administração, almoxarifado com todos os materiais (tintas e telas,
etc.), exposição e depósito. Havia várias mulheres, de todas as idades,
inclusive crianças, pintando, produzindo, as mais velhas agachadas no chão
(como quando se traçam pictografias na areia acompanhando narrativas, dreaming stories), as mais novas
sentadas em bancos e mesas. Não há apenas mulheres artistas, homens também. Cada
quadro (vários estilos) é assinado e catalogado numa base de dados onde cada
artista possui uma ficha com biografia e curriculum artístico. Ao comprar um
quadro, recebe-se junto a ficha do artista. Todo o sistema de produção e
comercialização é muito bem montado. Os preços são razoáveis e revelam a
qualificação desta produção. Só para ter uma ideia: um quadro pequeno pintado
por um artista considerado como “em destaque” custa, em Yuendumu, por volta de
60 dólares australianos; numa galeria em Alice Springs, o mesmo quadro custa o
dobro. É possível comprar quadros (inferiores em qualidade) nas ruas, por 50
dólares, não apenas em Alice Springs como em outras cidades australianas,
vendidos diretamente por aborígenes provenientes da região de Alice Springs.
Quadros são vendidos para museus, colecionadores e galerias, na Austrália e no
exterior, com um serviço postal específico. Enfim, a valorização e o comércio
da arte Warlpiri parecem bastante “justos”, no contexto das regras e mediações
de um mercado internacional muito específico, representando, de fato, uma
entrada importante para os artistas e suas famílias.
Uma
grande exposição das pinturas Warlpiri (Warlpiri
Drawings) será inaugurada em agosto 2014 no National Museum de Canberra. Afinal “drawings has been a crucial médium through which aboriginal people have
communicated ritual knowledge to explorers, researchers and others since the
earlier encounters”, frase que anotei no meu caderno mas sem a
referência…sorry!...mas típica frase closing
the gap, extendemos a mão para os concidadãos aborígenes, muito obrigado
por privilegiar a comunicação com os colonizadores...
Não
fizemos fotos do Centro de Arte, já que é particularmente desaconselhado
divulgar imagens das pinturas aborígenes. Tiramos fotos só após pedir
permissão, o tempo todo, e sempre com receio de ofender alguém. Há placas em
vários pontos da vila proibindo filmagens e fotos, sem a autorização do centro
de mídia Warlpiri (que visitaríamos em seguida). Muitas fotos, contudo, na visita à escola (ver adiante). Um caterpillar-train (um trem de lagartas) pousou para nós na primeira noite em Yuendumu, na porta de nossa casa.
PAW Media - Pintubi Anmatjere Warlipiri Media and
Communication é um grande e animado centro de comunicação
musical, rádio e vídeo, existente há mais de 30 anos! Nada melhor do que
visitar o site:
Entrada da PAW Media
Escritório
O
staff permanente é na maioria de whitefella,
4 a 5 pessoas; além disso, tem outros que trabalham part time. Há membros e colaboradores aborígenes. Estão agora
migrando da comunicação analógica à digital, com o objetivo do rádio local
atingir todas as comunidades da área, todas as casas, e também futuramente televisão
local via satélite (Indigenous Community
Television - ACTV). As transmissões de programas de rádio são intensas, com
notícias, cultura local e muita música, de todos os tipos, particularmente de
bandas aborígenes, que fazem uma música rock-eletrônica com pitadas reggae e
metálicas, muito interessante. PAW Radio
Network, em fase de implementação, é um braço da PAW Media and Communications. O alcance do rádio é claramente
apenas local, conforme normas e limitações impostas pelo sistema nacional.
Vimos também os estúdios de gravação que estimulam o trabalho e a produção dos grupos musicais.
Gravação de programa de rádio
Estúdio de gravação musical
PAW
tem produzido filmes bem interessantes e criativos, ainda poucos, em produções
de parceria com a comunidade Warlpiri e formando cineastas locais. Vimos uma
animação deliciosa, ainda em fase de edição final, versão do famoso Bush Mechanics. Trazemos para o Brasil
este filme e Coniston,
documentário-denúncia do massacre de famílias Warlpiri por militares, em nome “do
Rei e da Rainha”, em 1928.
PAW
produz também para canais da televisão governamental, como a NITV (National Indigenous
TV), que exibe programas variados, alguns bons documentários, muitas coisas
chatas e bem na linha da política assimilacionista oficial. A NITV reproduz
também o canal Maori da Nova Zelandia e alguma coisa de PNG (Papua New Guinea).
Vejam
o que está no youtube aborígene:
indigitube.com.au
E
há recursos governamentais para tudo isso.
Cartazes nas salas do PAW media
E
no Brasil? Se a produção de vídeos cresceu expressivamente em qualidade e
quantidade nos últimos 20 anos, deixando a Austrália para trás...a abertura de
rádios e televisão, mesmo se locais e submetidas ao controle central, que
existe na Austrália deixa o Brasil nas trevas da segurança nacional, resquício
nada desprezível da ditadura.
Deixo
por último o registro da rápida visita à escola de Yuendumu, na noite de nossa
chegada, acompanhados por Franklin Baarda, alma branca de Yuendumu e figura
além da imaginação comum, e por Nancy, uma das duas professoras warlpiri que
restaram (os outros são whitefella).
Não esqueço o que vi e o que ouvi. As diversos estabelecimentos da escola
abrigam salas amplas, levemente bagunçada, uma bagunça alegre e colorida de
pilhas de materiais de todos os tipos.
Prédio da escola de Yuendumu
Doug Marmion e a professora Nancy, na escola
Sala de arte
Nossa visita se concentrou, obviamente,
na educação bilíngue, da qual a escola de Yuendumu foi e é pioneira desde os
anos 70. Vimos mais de 150 títulos entre livros, cartilhas e outros materiais,
numa criatividade sem par, todos em Warlpiri ou bilíngues. E todos produzidos
localmente e artesanalmente. A língua Warlpiri dominava e o inglês entrava como
segunda língua. Grandes linguistas como Ken Hale e David Nash assessoraram de
perto todo o período “glorioso” da escola warlpiri.
Falo do passado, já que a
reação do governo do estado Northern
Territory aflorou com violência assimilacionista recentemente, em 2009,
obrigando o ensino do inglês nas horas da manhã e relegando o Warlpiri para
atividades da tarde, quando os alunos estão cansados, numa inversão claramente
eversiva (o estado eversivo!). Não há mais formação e contratação de
professores warlpiri. Uma mensagem negativa para as crianças warlpiri e um
programa educacional unsound, como
disse Wendi Baarda em entrevista de pouco tempo atrás. Ver:
E
comparem com o site oficial da escola, hoje:
Vejam mais fotos tiradas aleatoriamente nas salas da escola warlpiri.
Preciso
apresentar brevemente a personagem Frank Baarda, 70 anos, há mais de 40 anos em
Yuendumu. Sei o que ele nos contou, ávido de conversar, sobretudo em espanhol.
Nasceu na Holanda e logo a família se mudou para a Argentina; Frank voltou para
Holanda quando tinha 12 anos, fala um espanhol perfeito. Chegou em território
warlpiri como geólogo. Casou com Wendi, pedagoga, responsável por boa parte da
história da escola warlpiri. Dos filhos gêmeos, um trabalha no Google Maps em Sidney, depois de
carreira feérica nos USA; o outro casou com uma aborígene e vive caçando cangurus
no deserto central. Frank anda descalço, desdentado, um warlpiri branco (fala a
língua com fluência), tem uma inteligência incomum. Querem saber mais?
Escritório de Franklin Baarda em Yuendumu
Pedi
a Frank que nos falasse um pouco da história de Yuendumu, sentados na frente da
venda da Mining Company, com uma das
autoridades (um elder) warlpiri,
professor aposentado e membro do Land
Council. Resumindo: durante a II guerra (mundial), muitos aborígenes da
região foram mobilizados e assentados para a construção da estrada que
atravessaria o deserto central para a passagem de tropas e armamentos. Tudo
mudou, os trabalhadores não “quiseram mais voltar à vida de caçadores e coletores”
e surgiu Yuendumu e chegaram os missionários batistas em 1943 e tinha uma base
russa próxima na época da guerra da Coréia. Yuendumu surgiu às margens de uma cattle-road com seus postos de
abastecimento de água. Então, o governo da época adquiriu a área para que se
tornasse “território indígena”. A Warlpiri
Media surgiu como iniciativa “pirata” e auto-gerida antes da criação da PAW
(definida por Frank como “colonialista”). Frank é um anarquista revoltado,
terrivelmente crítico e pessimista diante da atual revanche assimilacionista.
Hasta la vista, Frank!
A venda da Yuendumu Mining Company
De
volta para Alice Springs. No dia 8 (abril), no Desert People Center, em Alice Springs, assistimos às apresentações
do workshop Getting in Touch – Language
and Digital Inclusion in Australian Indigenous Communities, o primeiro do
gênero na Austrália, organizado basicamente por professores-pesquisadores da
Universidade de Melbourne. Vejam abaixo o programa do evento para ter uma noção
da diversidade de tópicos.
Tuesday 8th April
workshop program
|
Coffee and tea
|
Marie Ellis: Welcome to Arrernte
country
|
Introductions and description of the aims
of the workshop
|
Multimodal media and
narrative practices from the Western
Desert
Elizabeth Marrkilyi Ellis, Jenny Green
and Inge Kral will show recent work that uses
iPads as a medium for
storytelling.
|
Morning tea
|
Language apps and games
Ala' Diab is co-founder and design
director of Freedom Games in Chicago, USA.
He has developed games to support
school readiness and language and literacy.
|
Aikuma
Steven Bird will show us Aikuma, a free
Android app used for recording,
transcribing and translating oral literature.
Bird will report on experience
using Aikuma to document endangered languages
in Papua New Guinea, Brazil, and Nepal.
lp20.org
|
Lunch
|
Books with a digital twist
Margaret Carew & Maree Klesch
(Centre for Australian Languages and Linguistics/Batchelor
Press) will
demonstrate ways that books can be repurposed as apps. They will show
the
book that 'sings’, an Alyawarr awely song book that has sound printing.
|
Alyawarr using app to
document and learn language
|
Ma! Iwaidja
Bruce Birch will demonstrate Ma!
Iwaidja, a lexicon development app + database package
available for both iOS
(iPad/iPhone) and Android devices. The app allows users to remotely
upload
raw material for dictionary entries that can then be curated and published
by
community teams. www.themaproject.org/?p=28
|
Afternoon tea
|
First Languages Australia
First Languages Australia is reviewing
the use of digital tools for language work.
This session, led by Paul Paton,
Karina Lester and Ben Foley, is an opportunity to discuss
issues and
strategies for using digital resources effectively.
|
Where to from here?
What do we want and how can we get it?
Open discussion and plans for community
hands-on workshop on Day Two.
|
Demonstration of Iltyemiltyem online sign language
dictionary led by April Campbell Pengart,
Clarrie Long Kemarr from Ti Tree
with Margaret Carew and Jenny Green.
www.iltyemiltyem.com/sign
Bruna Franchetto, Livia Tavares and Rafael Nonato
are linguists of the Brazilian Program
for the Documentation of Indigenous
Languages. They will show some of the best recent videos
made by young
indigenous film-makers (indigenous languages with English subtitles).
|
BBQ dinner at DPC
|
A
chamada “inclusão digital” é outra área que recebe considerável apoio
governamental. Foi extremamente
interessante ver as apresentações de projetos de produção de materiais
pedagógicos e bases de dados digitais, bem como de aplicativos e softwares para
a documentação, como as de Bruce Birch e Steven Bird, que já passaram pelo
Brasil. Steven Bird mostrou o uso do aplicativo por ele desenvolvido (Aikuma)
entre os Tembé e falantes de Nheengatu; lembramos de Bruce mostrando o seu Ma!
Iwaidija no Museu do Índio a ano passado.
O Brasil está muito atrasado nesse campo. Um evento sobre inclusão
digital já aconteceu na USP um tempo atrás; um workshop para ter um panorama
atualizado e poder medir o atraso seria uma boa iniciativa.
O Desert People Center em Alice Springs
Nossa apresentação
fechou o dia, mostrando um pouco da produção de cineastas indígenas no Brasil
com três vídeos do Coletivo Kuikuro de Cinema (Kindene, Trap Thieves, Pele de
Branco). Uma nota não aleatória: tivemos que selecionar vídeos que poderiam ser
vistos por um público de mulheres e homens aborígenes (presentes no workshop).
Qual o problema? Fomos alertados mais de uma vez, por Whitefella, de que certos assuntos e certas imagens provocariam um
mal estar profundo: nudez, genitálias, menstruação, sexo, etc., tudo o que
índio gosta...Um falso problema? Talvez, já que ouvimos opiniões opostas vindo
de outros Whitefella. O fato é que
todos os aborígenes assistiram aos vídeos, ligadíssimos; dos Whitefella, poucos.
Projeção dos videos do Coletivo Kuikuro de Cinema
Alguns
destaques do workshop :
-
Nos fundos da sala, livros, publicações impressas à mostra, como Anpernirrentye – Kin and Skin _ Talking
about families in Arrente (conhecidos como Aranda), de Veronica Perrurle
Dobson e John Henderson (2013), excelente livro didático sobre sistemas de
parentesco, recomendo!
E
dicionários ilustrados, livros sobre plantas medicinais, gramáticas...todos
bilíngues.
-
as práticas narrativas tradicionais (pictografia na areia) em versões digitais,
resultando em jogos de palavras e jogos desenhados na areia, com temas como
relações de parentesco, ordem de senioridade, localização/direção no espaço,
formas, cores (temas centrais nas línguas e culturas aborígenes).
-
Ala Diab, web designer da Univ. de Chicago, mostrou jogos em línguas indígenas,
como “objetos escondidos” e puzzles.
-
Vários produtos de apoio para atividades de ensino-aprendizagem nas escolas.
-
O Wadeye Aboriginal Languages Project,
trabalha há mais de dez anos com mais de dez línguas, produzindo livros
eletrônicos sobre plantas, animais, partes do corpo, emoções, casas e aldeias,
números, rituais, narrativas, cantos, landscapes,
peixes, história (com mapas indicando sítios e narrativas associadas).
Mostraram uma ótima ferramenta, já vista em Kununurra: uma caneta que permite a
leitura (audível) de livros impressos. Cada caneta pode arquivar 3 livros,
custa cerca de 100 dólares, sendo que o livro custa 20 dólares x página.
-
o IAD Ipad app Alyawarr é o partner de dicionários ilustrados impressos,
permite ampliar conteúdos, gravar a pronúncia das entradas pelo usuário de modo
a compará-la com a gravação áudio associada a mesma entrada.
De volta para Canberra no dia 9 de abril.
Vista de Alice Springs
Na rua dos cafés e das galerias em Alice Springs
Alice Springs, centro do mundo