quinta-feira, 27 de março de 2014

ADELAIDE, capital da Autrália do Sul.

Chegamos em Adelaide, de Canberra, no dia 12 de março, acompanhados por Michael Walsh, da AIATSIS, e recebidos por Ghil'ad Zuckermann da Universidade de Adelaide. Ghil’ad é um ser carismático, apaixonado e em eterno movimento, que tem como missão espalhar na Austrália a boa nova da “revitalística”. O termo foi criado pelo próprio Prof. Zuckermann, que acredita que a revitalização de línguas é um campo interdisciplinar emergente que precisa de departamentos específicos nas universidades. Só para ter uma idéia, Ghil’ad assina seus e-mails como:

Chair of Linguistics and Endangered Languages
School of Humanities
The University of Adelaide
Adelaide SA 5005, Australia

ghilad.zuckermann@adelaide.edu.au

Office: +61 8 8313 5247
Mobile: +61 423 901 808

http://www.zuckermann.org/
http://adelaide.academia.edu/zuckermann/
http://www.adelaide.edu.au/directory/ghilad.zuckermann
http://www.facebook.com/ProfessorZuckermann

Author of Revival Linguistics, Oxford University Press, forthcoming
Author of Israelit Safa Yafa (Israeli - A Beautiful Language), Am Oved, 2008,http://www.zuckermann.org/israelit.html
Author of Language Contact and Lexical Enrichment in Israeli Hebrew, Palgrave Macmillan, 2003, http://www.zuckermann.org/enrichment.html
Second Author of the Israeli Tingo, Keren, 2011
Editor of Burning Issues in Afro-Asiatic Linguistics, Cambridge Scholars, 2012 http://www.c-s-p.org/Flyers/Burning-Issues-in-Afro-Asiatic-Linguistics1-4438-4070-X.htm
Editor of Jewish Language Contact, Special Issue of the International Journal of the Sociology of Language, 2014

No dia seguinte viajamos para Whyalla, território Barngarla, na costa da península Eyre, quase seis horas de carro. 

No caminho de Wyhalla, com Gilh'ad em Port Germein

Wyhalla

Sabíamos que íamos assistir à fase inicial de um projeto de revitalização, já que a língua aborígene não é falada há décadas. Foi uma imersão na revitalização da língua Barngarla e a interdisciplinaridade não faltou. Uma vez em Whyalla, soubemos que o Barngarla language reclamation é uma iniciativa paralela ao Native Title Reclamation, primeiro passo para um longo processo que leva, quando bem sucedido, à concessão pelo Estado (australiano) de “título nativo” incidente sobre uma terra que corresponderia a um pedaço do território tradicional aborígene, no caso dos Barngarla. Lembramos que não há direitos originários à terra (como definidos na Constituição brasileira) e que trata-se quase sempre de terras já e definitivamente ocupadas.

Nossa primeira parada foi na escola primária de Hincks, onde os alunos revelam a densidade da população aborígene no “hub” (aborígene) constituído pelas cidades de Port Augusta, Whyalla e Port Lincoln: aproximadamente 40% dos alunos provêm de famílias aborígenes. Anita Taylor, que se identifica como uma “Barngarla girl” trabalha na escola há 10 anos e é o link entre esta e a equipe de revitalização dedicada ao desenvolvimento de um projeto piloto para ensinar a língua Barngarla.
           
O Prof. Zuckermann garantiu a disseminação da boa nova e, assim, nós nos encontramos sentados em volta de uma fila de carteiras de escolar primária muito bem arrumadas para que coubessem todos os visitantes (14). Além do team brasileiro e de Michael Walsh, representante da AIATSIS, os outros eram representantes de instituições variadas, como DECD, The Children's University (a Universidade das Crianças), a Universidade de Adelaide, o Mobile Language Team, e dois jornalistas de mídias veículos locais e internacionais, além de Dawn, um ancião Barngarla, representando o BLAC, Barngarla Language Advising Committee. A reunião foi aberta com muitas questões a serem discutidas pelo BLAC em sua reunião fechada, e fotos de grupo para os jornais locais.
           
Seguiu o workshop “Barngarla language reclamation”, com participantes vindo de várias cidades da região, estudantes e representantes da Universidade de Adelaide e do Mobile Language Team. Com o objetivo de obter a aprovação pelas comunidades, o Prof. Zuckermann introduziu o Barngarla website, que inclui uma versão online do dicionário Barngarla (1884) com ortografia atualizada e ferramentas de busca. Ele sugeriu que os participantes aborígenes criassem novas palavras a serem introduzidas sobretudo para conceitos decorrentes do contato e que não estão no dicionário de 1844. Esta mesma tarefa já tinha sido iniciada em workshop anterior realizado em Port Augusta.



Barngarla Language Reclamation Workshop em Wyhalla

Em apresentações individuais, cada membro das comunidades presentes expressou  seu desejo de aprender a língua e nos pareceu que a expectativa fosse a de que o workshop fosse dedicado à aprendizagem da língua. Steve Atkinson (ótimo orador) levantou a questão de que o essencial para os Barngarla seria aprender elementos básicos de sua língua antes de começar a “making up new words and getting confused (criar novas palavras e ficar confusos)”. Segundo ele, as palavras que o Prof. Zuckermann (e seus estudantes) criaram e introduziram em Port Augusta eram interessantes, mas que é preciso começar do começo antes de iniciar atividades mais elaboradas.
           
O Prof. Zuckermann defendeu a nova ortografia por ele adotada para o dicionário digital e falou brevemente sobre a sua adequação para falantes do inglês como primeira língua, que é o caso dos Barngarla. Após apresentar alguns tópicos sobre a pronúncia Barngarla, passou a alguns exercícios e andou pela sala perguntando “Nina Yoowa?” (como você está?), típica saudação. Alguém perguntou a razão de usar entonação crescente em Barngarla quando fazer uma pergunta, já que esta não parece ser uma característica tipológica de muitas línguas australianas. A questão ficou em aberto para discussão em futuros workshops. O Prof. Zuckermann nos convidou e também ao Prof. Walsh para que falássemos sobre nossos trabalhos, antes de ir para a reunião do BLAC na parte da tarde.

Uma semana apenas foi tempo insuficiente para abordar todos os problemas não resolvidos do Barngarla Language Program. Um longo dia de workshop e de discussão nos deu somente uma ideia do esforço emergente. O jantar foi uma excelente ocasião para conversar informalmente com os Barngarla e ter uma noção de sua vida em Port Augusta,Whyalla e Port Lincoln. Ficamos impressionados com a determinação, força e a liderança das mulheres, e sua capacidade de organização.

Mulheres Barngarla





            E homens Barngarla

Anita Taylor
Golfinhos na baia de Wyhalla (voltando para Adelaide).

Voltamos para Adelaide no dia 15 para um decepcionante “Spirit Festival”, com workshops paralelos sobre línguas e artes aborígenes, mal situados sob uma mesma tenda, enquanto uma música nada aborígenes tocava ruidosamente do lado de fora. Muitos dos aborígenes que estavam por lá pareciam compartilhar da mesma decepção, sentados na grama do lado de fora, na Victoria Square. O workshop sobre a língua Kaurna, todavia, foi uma boa oportunidade para conhecer um pouco da língua e conhecer Rob Amery, linguista que estava liderando as atividades.

Spirit Festival



No dia seguinte, visitamos a sede do Kaurna Warra Pintyanthi Program, uma iniciativa colaborativa que une os Kaurna, linguistas and voluntários que buscam ‘re-empoderar’ a comunidade Kaurna por meio da reclamation e resgate de sua língua. Conversamos com várias pessoas: os linguistas Rob Amery e Marianne Gail, os Kaurna (Steve Gadlabarti Goldsmith e Jack Buckskin), o etnomusicólogo Chester Schultz, e o administrador Gerhard Kuula Rüdiger. Marianne nos contou da sua vasta experiência no ensino da língua, nos cursos e certificados TAFE e dos trabalhos com os Ngarrindjeri, inspirados pelo programa de revitalização do Kaurna. Ela enfatizou a importância do treinamento e nos deu muitos materiais sobre as línguas Ngarrindjeri e Pitjantjatjara. Jack, que estreou o filme ainda não divulgado “Buckskin” é considerado um dos falantes mais fluentes do revitalizado Kaurna. Ele tem ensinado Kaurna em high schools da SA e também em sua casa, para a sua pequena filha. Steve, por outro lado, é responsável por um programa radio semanal – Nanga Wanga – e trabalha na produção de vídeos como suportes para a aprendizagem do Kaurna para comunidades e estudantes. Conhecemos também Uncle Willys, um ancião Kaurna, que cresceu nas missões e trabalha com Rob Amery desde os 1990. Ele falou de sua experiência na missão, da revitalização da língua e nos deu noções sobre a natureza da educação aborígene tradicional: uma aparente brincadeira com barbantes ou cordinhas é, por exemplo, uma metodologia nativa para ensinar através da observação e da prática.

Materiais para a revitalização de línguas da SA

No dia seguinte, visitamos o escritório do Mobile Language Team, uma instituição que apoia as línguas aborígenes em SA. Uma vez que a instituição se estabeleceu na Universidade de Adelaide em 2009, um dos objetivos estratégicos é a sua transição para o pleno controle dos aborígenes. Suas atividades vão da documentação e preservação linguística à capacitação e contratação de jovens aborígenes. Falamos com todos da equipe: Karina Lester, uma mulher Yankunytjatjara, e Clayton Cruse, um homem Adnyamathanha, ambos aboriginal language workers que compartilham suas experiências com muitas comunidades na SA; o diretor Trevor Buzzacott, e o Prof. Peter Mühlhäuser, que depois nos levou para almoçar no Jardim Botânico de Adelaide e nos falou de seu trabalho como linguista no contexto extraordinário da Ilha de  Norfolk; e Paul Monaghan, que já tínhamos conhecido no Barngarla reclamation workshop.


Uma coisa ficou muito clara: a enorme importância da documentação existente para o resgate de línguas (e não apenas). Há um esforço gigantesco na Austrália para identificar, recuperar, arquivar e divulgar todas as fontes documentais (notas, diários, listas de palavras, dicionários, gramáticas...), que, na maioria dos casos, são os únicos suportes para recuperar (ou reinventar) uma língua. Neste contexto, os missionários – na maioria protestantes, como luteranos, presbiterianos, batistas – são ao mesmo tempo vilões e heróis, por ter contribuído para o estabelecimento dos aldeamentos (missions) e a evangelização forçada e em massa, mas, por outro lado, por ter deixado a grande maioria dos registros linguísticos (e não somente) existentes.
           
Nos dias passados em Adelaide, o team brasileiro e os representantes da AIATSIS (Michael Walsh e Doug Marmion) realizaram três seminários, organizados pelo Prof. Zuckerman, para públicos diferenciados na Universidade de Adelaide: nós demos um panorama da situação dos povos indígenas no Brasil, e suas línguas; Michael Walsh falou da língua e da cosmologia reveladas pelos cantos Murrinh Patha; Doug Marmion apresentou os resultados do NIELS 2 (do qual já falamos). Nossa atividade final foi uma conversa informal, extremamente interessante, durante um almoço com membros do staff do Indigenous Language Support, o sistema que financia os programas de apoio às línguas aborígenes da Austrália do Sul. Soubemos que cerca de 10 milhões de dólares australianos são destinados anualmente, para programas e projetos de revitalização e manutenção de línguas aborígenes. E nos dizem que é pouco.


Last but not least, Adelaide é uma linda e tranquila cidade, muito verde, muito agradável. Visitamos a Artíndia de Adelaide: Tandanya. O Museu tem uma exposição deslumbrante sobre povos aborígenes. Saindo dela, fica para sempre a confirmação de que as populações nativas da Austrália - outrora consideradas como o elo entre Homo sapiens e Homo Neanderthalensis - alcançaram uma sofisticação tecnológica sem par para a vida de caçadores e coletores num ambiente não exatamente amigável, bem como uma arte-iconografia finíssima e de grande complexidade. 

O Museu de Adelaide





sábado, 22 de março de 2014

Lívia e Rafael apresentaram o seminário abaixo no âmbito dos seminários organizados por Nick Evans.

A cross-linguistic study of case and switch-reference in unrelated languages

Rafael Nonato and Livia Camargo
3:30pm - 5:00pm
21 Mar 2014
Seminar Room B (Arndt Room), HC Coombs Building (9), Fellows Road, ANU

The growing body of information on the world’s languages has revealed typological similarities among languages which can hardly be said to be historically or geographically related among themselves, corroborating the hypothesis that linguistic variation is limited. In this talk we illustrate this claim with two case studies where we compare Amerindian and Oceanic indigenous languages with respect to clause-combining and argument-marking phenomena.

In the first case study we look at Kĩsêdjê (Jê, Brazil) and some Austronesian and Trans New Guinean languages. In these languages, there is a mechanism to disambiguate sentences such as “He saw him and he ran away”. Morphology between the clauses indicates whether their subjects are identical or different in reference, a kind of morphology that has been labeled “switch-reference marking” by Jacobsen (1967). We will look at details of the construction across the language groups and identify similarities and parametrized differences among its instantiations.

In our second case study we look at Yawanawa (Pano, Brazil) and a number of Pama-Nyungan languages. These languages have in common the fact that their ergative case systems are split according to a person hierarchy. Authors such as Goddard (1982), Comrie (1991), and Legate (2008, 2012) have proposed that these languages have tripartite case systems in which ergative is assigned to subjects of transitive clauses, accusative to objects, and nominative to subjects of intransitive clauses. We will show that Yawanawa also has such a system and analyse similarities and contrasts among specific constructions.

References
Comrie, Bernard (1991). “Form and function in identifying cases”. In: The Economy of Inflection.
Ed. by F. Plank. Berlin, New York: Mouton de Gruyter, pp. 41–56.

Goddard, Cliff (1982). “Case systems and case marking in Australian languages: A new interpre-
tation”. In: Australian Journal of Linguistics 2, pp. 167–196.

Jacobsen, William (1967). “Switch-Reference in Hokan-Coahuiltec”. In: Studies in Southwestern
Ethnolinguistics. Ed. by Dell H. Hymes and William E. Bittle. Mouton, The Hague.

Legate, Julie Anne (2008). “Morphological and abstract case”. In: Linguistic Inquiry 39.1.

— (2012). “Types of ergativity”. In: Lingua 122




quinta-feira, 20 de março de 2014

AIATSIS National Indigenous Studies Conference 2014

Em breve as notícias da viagem para Adelaide (South Australia): 12-20/03/2014

Enquanto isso, estamos nos preparando para:

AIATSIS National Indigenous Studies Conference 2014 – 26 a 28 de março

O programa da Conferência está no website, assim como os resumos e os posters: 

Nós, team brasileiro, apresentaremos 2 trabalhos na manhã do dia 28:
Bruna Franchetto: “Ritual discourse, historical narratives and culturally built identities and landscapes in a
Southern Amazonian society (Discurso ritual, narrativas históricas, identidades construídas e paisagens numa sociedade da Amazônia Meridional)”.

Lívia Camargo & Rafael Nonato: “The protagonism of indigenous researchers in language documentation in Brazil (O protagonismo dos pesquisadores indígenas na documentação linguística no Brasil)”.

A Conferência será precedida por uma recepção, na tarde do dia 24, durante a qual haverá a apresentação da antiga e sagrada Lorrkkon Ceremony (Northern Territory).   Maiores informações sobre a cerimônia aborígene em:

terça-feira, 18 de março de 2014

13o Workshop on Aboriginal Languages - Kioloa (ANU)

6 março: Lançamento do Living Archives of Australian Languages (LAAL). Vejam tudo em:
 www.cdu.edu.au/laal

O 13o Australian Languages Workshop começou na sede da AIATSIS em Canberra, na tarde do dia 7 de março e continuou em Kioloa, o campus litorâneo da ANU, nos dias 8 e 9 março. 
Vejam a programação do workshop (pdf)!
https://drive.google.com/file/d/0B3NMV4qrdP7IUFRBb3NOYXpwRm8/edit?usp=sharing

Na tarde do dia 7, foram realizadas duas sessões paralelas, uma sobre História e Parentesco, outra sobre natureza, gestão e acesso a acervos digitais (área em que linguistas e técnicos australianos, sobretudo os da AIATSIS, são especialmente competentes e eficientes). A primeira apresentação, por Michael Christie e Jane Simpson, foi “Línguas australianas, literaturas e tecnologias no Northern Territory”.  Nesta região ainda há 60% da população nativa ainda falante de suas línguas. O foco foram os acervos que podem ser encontrados em: www.cdu.edu.au/laal. Trata-se de documentos, em sua maioria escritos, produzidos em função de programas/projetos de educação, muitos dos quais contêm registro de diferentes línguas, algumas não mais usadas. O acervo inclui material produzido na primeira fase, definida como da “educação bilíngue”, que começou em 1973 até o final dos anos 70/início anos 80. A 1ª fase foi caracterizada pela atividade missionária, principalmente nos postos de “aldeamento” chamados de missions, administrados pelo estado e pelas missões (protestantes e católicas), quando as salas de aula eram compostas por cerca de 45 alunos nenhum deles falantes de inglês. Neste período surgiram Centros de Produção de Literatura Indígena e os arquivos do LAAL contém vasto material composto por cartilhas, livros de narrativas curtas ou longas (coletadas junto aos falantes mais velhos), desenhos.

Pensando no Brasil: seria uma boa iniciativa (por parte de MEC e FUNAI) produzir acervos digitais contendo o imenso material de caráter tanto “educacional” produzido desde os anos 60, inclusive por missões nos quatro cantos do país; e seria uma excelente iniciativa se se conseguisse tornar acessíveis os materiais produzidos por missões quais o Summer Institute of Linguistics, MEVA, Novas Tribos, entre outras, rompendo as barreiras mantidas por estas instituições, que monopolizaram a pesquisa e a educação indígena por pelo menos 30 anos.

A 2ª fase, nos anos 80, foi chamada de “aboriginalized education” (o projeto Yirrkala se destaca); foi um período caracterizado por “apreciação da tradição, orgulho e participação” por parte das populações nativas envolvidas. O papel dos professores não-indígenas começou a ser relativizado. O material produzido e publicado revela maior complexidade (mapas, iconografias, pictografias, registros de aspectos culturais, jornais em língua indígena, coletâneas de narrativas com ilustrações mais sofisticadas e feitas por artistas locais). Foram implementados curricula baseados nas demandas indígenas.
A 3ª fase (anos 90) foi marcada por um retrocesso violento, com retirada dos apoios institucionais, mas, ao mesmo tempo, foi então que começaram iniciativas chamadas de “local digital knowledge work”.
Aos poucos os investimentos governamentais recomeçaram, já no final dos anos 90, tendo como resultado a apropriação da tecnologia digital, por parte dos atores indígenas e não-indígenas. Vejam em:
e o projeto Teaching from Country em território Yolngu:
Houve e há engajamento de muitos antropólogos nos projetos mencionados. O trabalho para recuperar os materiais é longo e se organiza basicamente nas seguintes e sucessivas atividades: (i) identificação e recuperação das fontes; (ii) envolvimento das comunidades indígenas; (iii) envolvimento das escolas; (iv) envolvimento de agentes acadêmicos (pesquisadores).
Hoje se observa uma interessante produção de conhecimentos através do trabalho “escolar”, assim como a consolidação de disciplinas explicadas e com materiais de qualidade em língua indígenas, como matemática, com extensão do léxico e de outros recursos linguísticos.

Pensando no Brasil: a AIATSIS tem um orçamento anual de 10 milhões de dólares australianos, valor considerado insuficiente: qual é o investimento público no Brasil para a manutenção e reforço das línguas indígenas, para a revitalização das que estão em situação de quase desaparecimento?
Por outro lado, iniciativas como a do ProDoclin e do Museu Goeldi se diferenciam, em positivo, pelo esforço na formação de pesquisadores e cineastas (documentaristas) indígenas, pelo incentivo ao surgimento de centro locais de documentação com doação de equipamentos e de acervos digitais comunitários. Ainda são poucas iniciativas, circunscritas, que sobrevivem apesar da escassez crônica de recursos.

Doug Marmion, linguista da AIATSIS, apresentou em seguida os resultados do National Indigenous Languages Survey 2 (NILS 2), cujo relatório pode ser lido em:

Pensando no Brasil: o NILS se assemelha ao Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), programa brasileiro que, finalmente, deve começar ainda em 2014. O quesito “língua” consta também do censo australiano e é bom saber que os resultados dos censo australiano apresentam os mesmos problemas dos do censo brasileiro de 2010. O NILS foi pensado e realizado para corrigir esses problemas. No relatório NILS estão os questionários usados assim como as etapas do trabalho, os procedimentos de consulta às comunidades indígenas, ferramentas e metodologia.

O que interessa aqui registrar é que o NILS 2 permitiu estabelecer com relação às línguas nativas na Austrália que: (i) 120 delas ainda são faladas, mas (ii) somente 13 podem ser consideradas vitais, fortes; (iii) 100 são extremamente ameaçadas de desaparecer; (iv) nos últimos dez anos, 5 línguas passaram de “fortes” para extremamente ameaçadas. É impressionante saber que 30 línguas estão retomando força graças aos resultados de programas de revitalização. Não podemos esquecer da grande variedade e continua dialetais e de registros (as famosas mother-in-law languages, cantos, fala infantil, masculina e feminina, etc.), variedades também fortemente ameaçada nas línguas ainda vitais.

Ainda na tarde do dia 7, Melissa Jackson apresentou os resultados já alcançados pelo programa de identificação, recuperação, catalogação, digitalização e disponibilização dos materiais sobre e em línguas indígenas australianas existentes na Biblioteca de Melbourne (entre outros, 14 km lineares de estantes com manuscritos, tarefa realizada pelo linguista Michael Walsh, da AIATSIS, e sua equipe, onde foram encontradas listas de cerca de 200 línguas). Além do acesso à documentação digitalizada, será aberta uma seção específica na própria biblioteca. E no Brasil?

A última apresentação foi a de Jaky Troy, Michael Walsh e Doug Marmion. O tema é relevante no contexto australiano: o desenvolvimento de metodologias e tecnologias para o ensino de línguas indígenas nas escolas. A apresentação está baseada nos documentos escritos para fundamentar o Australian Curriculum of Languages Assessment. Tivemos a oportunidade de ver de perto como funciona o ensino de línguas indígenas em escolas públicas urbanas, em Parkes e Melbourne. O papel da educação escolar pública está se tornando central não apenas para a revitalização como também para a difusão de conhecimentos que resultam em diminuição de racismo e preconceitos. A introdução de outras línguas nas escolas segue em 3 níveis, chamados Learner Pathways (caminhos de aprendizado): (i) First Language Pathway (L1) vale para os falantes das línguas indígenas ainda fortes, com alfabetização em língua indígena; (ii) Revival Language Learner Pathway (LR) onde há línguas indígenas “adormecidas” a serem revitalizadas; (iii) Second Language Learner Pathway (L2), visando a inclusão de línguas indígenas junto com as outras L2 (línguas de imigrantes, como italiano, japonês, etc.).

Campus da ANU em Kioloa (foto BF)

No dia 8 viajamos para Kioloa, Campus Litorâneo da ANU (Australian National University), 250 km de Canberra. O campus de Kioloa é de fato um pequeno centro para eventos e para pesquisadores e docentes que queiram se reunir, discutir, trabalhar em grupo ou em isolamento. A infraestrutura é simples e eficiente, a gestão é compartilhada e solidária, umas casas simples es confortáveis, um refeitório comum, uma bela construção com auditórios e salas. Tudo muito ecológico, sóbrio, no meio de uma área de proteção ambiental, floresta litorânea, belíssimas praias oceânicas (Pacífico), muitos mas muitos cangurus, pássaros coloridos.

Vizinhos no campus da ANU em Kioloa (foto BF)


Foto BF

O programa do workshop mostra claramente que foi um evento estritamente científico, com resultados de pesquisas em fonologia, morfologia, sintaxe, pragmática, e outras abordagens inter ou multi-disciplinares. Percebemos a qualidade e diversidade dos estudos linguísticos de línguas indígenas na Austrália. Destacamos o alto nível das investigações fonológicas, onde os estudos de prosódia e experimentais assumem cada vez mais um papel de primeiro plano. Aliás, a pesquisa experimental esteve presente em praticamente todos os campos, da fonologia à pragmática até os estudos de aquisição. A sofisticação tecnológica ficou evidente. Particularmente interessante foram os estudos lexicais e lexicográficos; observamos o desenvolvimento de dicionários cada vez mais completos e complexos, bem como a grande quantidade de gramáticas descritivas publicadas, em via de publicação ou em desenvolvimento. Em outras palavras, grande ênfase é dada a boa linguística descritiva, que, como sabemos, é o alimento dos bons trabalhos teóricos, cada vez mais voltados para a comparação não somente de línguas aparentadas.

Local do Workshop no campus de Kioloa (foto BF)

Workshop em Kioloa - 9/03/2014 (foto BF)

Querem saber da mídia indígena na Austrália? Há mais do que imaginávamos:

“Bush TV" at Alice Springs (Central Australia)
Pintupi Anmatyerr Warlpiri

Ngaanyatjarra Media

PAKAM - Pilbara and Kimberley Aboriginal Media

TEAABA media

segunda-feira, 3 de março de 2014

Chegamos em Canberra, capital da Austrália, no dia 10 de fevereiro, com uma diferença de fuso horário de 11 horas a mais.

Na primeira semana, conhecemos a sede e vários membros da AIATSIS, a maioria linguistas. Além disso, planejamos as atividades a serem realizadas até o final de nossa estadia, com viagens, entrevistas, seminários e conferências.
Visitem o site da AIATSIS! http://www.aiatsis.gov.au/





13 de fevereiro 2014, não é o "dia nacional do aborígene", mas é o Sorry Day (Dia de dizer "Desculpem!"):


Sorry Day and the Stolen Generations (trecho retirado de http://australia.gov.au/about-australia/australian-story/sorry-day-stolen-generations)

 Atenção. Este artigo pode conter nomes e imagens de pessoas aborígenes falecidos. Ele também contém links para os sites que podem usar imagens de pessoas falecidas.

Relatório da Human Rights and Equal Opportunity Commission, Bringing them Home .
O primeiro National Sorry Day foi realizado em 26 de maio 1998 – um ano depois da divulgação do relatório Bringing them Home, maio 1997. O relatório resultou de uma investigação por parte da Human Rights and Equal Opportunity Commission sobre a remoção forçada de crianças aborígenes de suas famílias.
O public and political debate em torno da remoção foi marcado por intense atividade política political activity desde a segunda metade dos anos 1980. Em 1992 o primeiro ministro Keating reconheceu que 'nós tomamos as crianças de suas mães' numa fala em Redfern. Em 1994, foi iniciada uma ação judiciária na Suprema Corte de New South Wales. Estas crianças children who were removed se tornaram conhecidas como “a geração roubada” Stolen Generations.


Instalação na frente da sede da Aiatsis 
para a comemoração do Sorry Day (13/02/2014, foto Bruna Franchetto)

1a viagem – visita a Parkes – 17-19 de Fevereiro

Geoff Anderson é sem dúvida o coração e a alma do programa da língua Wiradjuri. Ele se tornou o coordenador de um projeto que já tem 10 anos e que hoje envolve 3 escolas primárias e uma escolar de Segundo grau na cidade de Parkes, 200 km de Canberra, estado de North West Whales. Foi inspirador acompanhar Geoff pela cidade e vaer como o programa foi aceito pelos diretores das escolas e se desnvolveu em cada escola de modo específico. Foram visitadas 3 escolas primárias da Henry Parkes Learning Community: Parkes Public, Parkes East, and Middleton. Sentamos nas aulas de língua e conversamos com professors, instrutores de língua e diretores sobre váarios aspectos do projeto Wiradjuri: metodologias, o objetivo e a sequência do curriculum e como o programa foi desenhado de acordo ao envolvimento das comunidades locais, o treinamento dos instrutores, as atividades culturais extra-curriculares desenvolvidas em cada escolar, bem como os resultados do projeto como um todo. Senti que o resultado mais relevante foi a superação dos problemas da geração anterior, graças ao declínio do racism e a melhoria da presença dos alunos aborígenes na escolar bem como de seu rendimento na alfabetização e matemática.

Livia Camargo Souza

Esta é a bandeira aborígene

Yamandhu marang? – como você está?
Ngawa baladhu marang  - estou bem
Yuwin ngadhi Bruna – meu nome é Bruna
Minyang nginha? – o que é isto?

Lembro apenas estas curtas frases em Wiradjuri, muito pouco para um linguista brasileiro recém chegado e desejoso de falar e entender pelo menos algumas frases e palavras em uma língua aborígene, mas suficiente para começar a acostumar o ouvido e a boca a novos e fascinantes sons.
Geoff Anderson, que começou o School-based Wiradjuri Language Program, os professores Wiradjuri Ron Wardrop (escolar Parkes Public) e Lionel Lovett (escolar Parkes East) foram nossos guias nesse primeiro encontro com uma língua aborígene..
Sentados num canto de salas de aula coloridas e repletas de textos, palavras, cantos, imagens, pinturas e objetos Wiradjuri, assistimos atentos à interação alegre e stimulante entre pequenos alunos e seus professors Wiradjuri. Nos chamou a atenção a desenvoltura e entusiasmo da participação dos alunos, bem como o método lúdico e organizado usado para introduzir e fixar palavras e utterances Wiradjuri.
No caminho de volta para Canberra, o linguista David Nash, da Universidade Nacional da Austrália (ANU) e membro da AIATSIS, nos recebeu em sua casa, de onde contemplamos os amplos horizontes da Terra Wiradjuri (http://www.anu.edu.au/linguistics/nash/).
Para saber mais:
http://ses.library.usyd.edu.au/bitstream/2123/6941/1/RAL-chapter-19.pdf

Desta primeira viagem, levamos para o Brasil uma série de idéias e sugestões.
-          Considerando que a a língua de alfabetização e de instrução  deve ser a primeira língua dos alunos (seja ela indígena ou não), ainda é preciso, no Brasil, desenvolver métodos adequados e melhorar a qualidade dos materiais didáticos, no caso da língua indígena ser a língua materna dos alunos. Uma iniciativa interessante no âmbito do ProDoclin (Brasil) começou em 2013: estão em andamento seis projetos-piloto para a produção de gramáticas didáticas de línguas indígenas, com concepção e metodologia unificadas, sob a coordenação do Prof. Luiz Amaral em colaboração com a Massachussets University at Amherst.

-          Deve ser considerados os contextos em que há diversidade linguística na própria sala de aula, situação não rara no Brasil; entronar uma das línguas ou uma das variedades como a única que merece lugar na educação escolar é um problema e não uma solução; os processos de estandardização linguística deveriam ser amplamente discutidos nas comunidades envolvidas, uma vez que estas estejam cientes do que está em jogo e das consequências.

-          Ainda não mereceu a devida atenção o ensino de língua indígena como segunda língua. Os projetos ProDoclin para gramáticas didáticas incluem também esta possibilidade, já que cada vez mais os alunos indígenas chegam à escolar tendo o português como primeira língua, apesar de ter parentes da 2a geração ascendente falantes de uma ou mais línguas indígenas.

Bruna Franchetto

Aula de língua Wiradjuri em escola pública de Parkes


A visita à cidade de Parkes evidenciou, para mim, duas coisas: (1) como uma língua, parte central da cultura de um povo, é essencial para o seu bem-estar; e (2) como é difícil revitalizar uma língua que já não é falada há décadas. Irei detalhar cada um desses pontos, mas primeiro quero apresentar a cidade de Parkes: 10.000 habitantes localizados no meio do território tradicional Wiradjuri.

Em cada escola que visitamos, encontramos diretores entusiasmados com razões objetivas para apoiar as aulas de língua Wiradjuri. Antes do programa começar, as crianças aborígenes estavam entre os alunos com o mais baixo rendimento no que concerne alfabetização e matemática, assim como com a frequência mais baixa. O programa, que não comporta apenas o ensino da língua, mas também de aspectos da cultura aborígene e que atinge toda a população da escolar, não somente as crianças aborígenes, mudou a realidade. As crianças aborígenes se tornaram orgulhosas de sua herança, enquanto as crianças não-aborígenes começaram a respeitar a cultura dos donos originários destas terras. Isto resultou num impacto indireto mas eficaz sobre o rendimento das crianças aborígenes, assim como está ajudando a eliminar preconceitos raciais de longa data.

A língua Wiradjuri é aprendida em contextos significativos, como reconhecimento do território, saudações, nomes de animais e de itens culturais. Ninguém dos nossos anfitriões, todavia, é ou declara ser fluente em Wiradjuri, apesar do programa estar funcionando há 10 anos. É muito difícil revitalizar, literalmente, uma língua. Somente o futuro nos dirá se é possível recuperá-la inteiramente, mas certamente é uma tarefa difícil.

Em Parkes comecei a entender que alguns dos conceitos que trouxe comigo do Brasil a respeito de terras indígenas e “identidade indígena” não traduzem adequadamente a situação australiana. No caso wiradjuri, o status de “terra indígena” não significa propriedade ou posse da terra  e “ser nativo” não significa o que significa no Brazil. Estou apenas começando a entender as diferenças e não seria correto começar fazendo afirmações não fundamentadas.


Rafael Nonato

Wiradjuri Land


2a viagem – visita à VLAC em Melbourne – 24-27 de fevereiro

Em 24 de fevereiro, voamos para Melbourne, onde passamos dois dias conhecendo os projetos da Victorian Aboriginal Corporation for Languages (VACL) A VACL é uma instituição com 20 anos de existência fundada por John Atkinson, também conhecido como Tio Sandy, um ancião Moidaban. Ele foi nosso anfitrião, junto com o responsável executivo da VACL Paul Patton. A vivacidade de Tio Sandy, com seus 81 anos, é impressionante assim como a sua história de vida: ele foi o primeiro aborígene membro de um comitê da UNESCO e ele ocupou também vários cargos governamentais antes de fundar a VACL.
Nosso primeiro dia na VACL começou com uma conversa informal com nossos anfitriões e outros pesquisadores, seguida pelo almoço. Na parte da tarde, assistimos a apresentação de Paul Paton com o título “Revitalizando línguas aborígenes em Victória”, o que nos deu um panorama dos povos e das línguas da região e seu status em termos de revitalização. Em seguida, a linguista da VACL Dra Christina Eira apresentou os projetos da VACL.
Duas atividades aconteceram em nosso segundo e ultimo dia em Melbourne: primeiro, visitamos a escolar primária Thornbury, onde fomos introduzidos ao projeto da VACL sobre a língua Woiwurrung. Sentamos em uma sala de aula onde alunos de 3a e 4a série, além de outras atividades, criaram cantos e realizaram breves diálogos em Woiwurrung. Conversamos com o professor sobre métodos e atividades “ post-escolares” e extra-curriculares. A segunda atividade do dia foi a visita à exposição “The first Peoples” no Museu de Melbourne. A exposição é o produto de um esforço conjunto entre os curadores, os pesquisadores da VACL e as comunidades aborígenes de Victoria, com forte ênfase nas línguas nativas e seus vinculos com os territórios.

Livia Camargo

Na sede da VACL em Melbourne

Uncle Sandy, Paul Patton, Mandy Nicholson e Christina Eira nos introduziram às atividadades dos projetos da VACL (Victorian Aboriginal Corporation for Languages (http://www.vaclang.org.au). Uncle Sandy é um story-teller cativante; Mandy transmite de imediato seu entusiasmo e compromisso com o resgate das língua nativas de Victoria, sobretudo de sua comunidade (Wurundjeri).

A experiência que tivemos em Melbourne se somou à de Parkes, já que em ambos os contextos prevalecem iniciativas de revitalização de línguas já extintas ou em desuso, Essas iniciativas, com suas metodologias e práticas, são relevantes para o Brasil, país que não possui nenhuma política voltada à revitalização de línguas indígenas não mais faladas, mas objeto de muitas demandas por parte de comunidades que querem retomar suas línguas ancestrais (“retomar”, aqui, não implica a voltar a usar uma língua, mas, sim, um ato político de apropriação de memórias e conhecimentos). As experiências australianas nesse campo podem ser inspiradoras. Há não um, mas vários métodos de revitalização e o que nós vimos de perto em Parkes e Melbourne foi o aplicado em programas de ensino de línguas aborígenes em escolas públicas urbanas. Isso merece algum comentários em dois planos, sobretudo para os leitores no Brasil, país onde há mais de 150 línguas indígenas vivas, mas todas ameaçadas, já que minoritárias e submetidas à crescente dominação da língua nacional, sobretudo através da escola e das mídia.
De um lado, sabemos que a população indígena urbana no Brasil está aumentando; nas cidades, especialmente as que estão situadas no entorno das terras indígenas, crianças e adolescentes indígenas frequentam escolas que não oferecem se não ensino em português. Nenhuma atenção é dada às línguas que essas crianças falam em casa ou nas aldeias das quais provêm; nenhum conteúdo é dado sobre história e culturas nativas. As práticas educacionais dessas escolas contradizem frontalmente os princípios de respeito da diferença linguística e cultural, tornando-se instrumento de uma assimilação forçada já condenada na constituição brasileira, em leis, por linguistas, antropólogos e indigenistas. Em outro plano, a lei não trata explicitamente das línguas nativas, absorvendo-as, provavelmente, na categoria abrangente de ‘cultura(s)’. Isso faz com que a diversidade linguística não seja abordada, prevalecendo estereótipos e noções equivocadas.

As experiência de Parkes e da VACL nos mostraram também como a documentação e os acervos digitais accessíveis às comunidades sejam cruciais, seja eles voltados à identificação e recuperação de materiais escritos e registrações audio deixados por viajantes e pesquisadores ao longo da história colonial, seja os produzidos a partir do registro de línguas ainda faladas e vitais.

Bruna Franchetto

Sala de aula de língua Woiwurrung

Na nossa visita a Melbourne, vimos um programa semelhante ao que conhecemos em Parkes. Entendemos que se trata de um programa inspirado na experiência de Parkes. O caso de Melbourne, todavia, apresenta especificidades, como, por exemplo, a dificuldade trazida pelo fato de que a população aborígene de Melbourne não é homogênea, o que coloca a questão de qual língua deve ser ensinada. No que concerne métodos e consequências, o projeto em Melbourne parece muito semelhante ao de Parkes. O programa resulta na melhoria do bem-estar e da vida acadêmica dos alunos aborígenes, além de ajudar na superação de preconceitos. Mais uma vez, percebemos a dificuldade de revitalizar uma língua para além de diálogos ritualizados e formuláicos.

Passamos a maior parte do primeiro dia em Melbourne, na Victoria Aboriginal Corporation for Languages, aprendendo sobre a história da colonização na Austrália, especificamente no estado de Victoria, assim como falamos da história da colonização brasileira e das populações indígenas no Brasil. Demorou um certo tempo para perceber que éramos considerados “índios brasileiros”. Mesmo tendo algum antepassado indígena, como a maioria dos brasileiros tem, nós não nos idenficamos assim. Essas situações esclarecem as assumpções mutuamente equivocadas de nossos anfitriões e de nos mesmos no que diz respeito ao sentido de “ser índio/aborígene”. Não é tanto uma questão de ascendência predominante, mas é uma questão de auto-identificação e reconhecimento por parte de uma comunidade.

Rafael Nonato

Uncle Sandy e Rafael Nonato na sala de aula de língua Woiwurrung

Materiais didáticos em língua Woiwurrung na sala de aula

Melbourne: a exposição sobre os povos aborígenes de Victoria


De volta a Canberra.


Dia Internacional da Mulher: comemoração na Aiatsis (foto Bruna Franchetto)

Em breve! Notícias do 13o Workshop sobre Línguas Australianas, realizado em Canberra e Kioloa, campus litorâneo da ANU, 7-9 de março 2014.