segunda-feira, 3 de março de 2014

Chegamos em Canberra, capital da Austrália, no dia 10 de fevereiro, com uma diferença de fuso horário de 11 horas a mais.

Na primeira semana, conhecemos a sede e vários membros da AIATSIS, a maioria linguistas. Além disso, planejamos as atividades a serem realizadas até o final de nossa estadia, com viagens, entrevistas, seminários e conferências.
Visitem o site da AIATSIS! http://www.aiatsis.gov.au/





13 de fevereiro 2014, não é o "dia nacional do aborígene", mas é o Sorry Day (Dia de dizer "Desculpem!"):


Sorry Day and the Stolen Generations (trecho retirado de http://australia.gov.au/about-australia/australian-story/sorry-day-stolen-generations)

 Atenção. Este artigo pode conter nomes e imagens de pessoas aborígenes falecidos. Ele também contém links para os sites que podem usar imagens de pessoas falecidas.

Relatório da Human Rights and Equal Opportunity Commission, Bringing them Home .
O primeiro National Sorry Day foi realizado em 26 de maio 1998 – um ano depois da divulgação do relatório Bringing them Home, maio 1997. O relatório resultou de uma investigação por parte da Human Rights and Equal Opportunity Commission sobre a remoção forçada de crianças aborígenes de suas famílias.
O public and political debate em torno da remoção foi marcado por intense atividade política political activity desde a segunda metade dos anos 1980. Em 1992 o primeiro ministro Keating reconheceu que 'nós tomamos as crianças de suas mães' numa fala em Redfern. Em 1994, foi iniciada uma ação judiciária na Suprema Corte de New South Wales. Estas crianças children who were removed se tornaram conhecidas como “a geração roubada” Stolen Generations.


Instalação na frente da sede da Aiatsis 
para a comemoração do Sorry Day (13/02/2014, foto Bruna Franchetto)

1a viagem – visita a Parkes – 17-19 de Fevereiro

Geoff Anderson é sem dúvida o coração e a alma do programa da língua Wiradjuri. Ele se tornou o coordenador de um projeto que já tem 10 anos e que hoje envolve 3 escolas primárias e uma escolar de Segundo grau na cidade de Parkes, 200 km de Canberra, estado de North West Whales. Foi inspirador acompanhar Geoff pela cidade e vaer como o programa foi aceito pelos diretores das escolas e se desnvolveu em cada escola de modo específico. Foram visitadas 3 escolas primárias da Henry Parkes Learning Community: Parkes Public, Parkes East, and Middleton. Sentamos nas aulas de língua e conversamos com professors, instrutores de língua e diretores sobre váarios aspectos do projeto Wiradjuri: metodologias, o objetivo e a sequência do curriculum e como o programa foi desenhado de acordo ao envolvimento das comunidades locais, o treinamento dos instrutores, as atividades culturais extra-curriculares desenvolvidas em cada escolar, bem como os resultados do projeto como um todo. Senti que o resultado mais relevante foi a superação dos problemas da geração anterior, graças ao declínio do racism e a melhoria da presença dos alunos aborígenes na escolar bem como de seu rendimento na alfabetização e matemática.

Livia Camargo Souza

Esta é a bandeira aborígene

Yamandhu marang? – como você está?
Ngawa baladhu marang  - estou bem
Yuwin ngadhi Bruna – meu nome é Bruna
Minyang nginha? – o que é isto?

Lembro apenas estas curtas frases em Wiradjuri, muito pouco para um linguista brasileiro recém chegado e desejoso de falar e entender pelo menos algumas frases e palavras em uma língua aborígene, mas suficiente para começar a acostumar o ouvido e a boca a novos e fascinantes sons.
Geoff Anderson, que começou o School-based Wiradjuri Language Program, os professores Wiradjuri Ron Wardrop (escolar Parkes Public) e Lionel Lovett (escolar Parkes East) foram nossos guias nesse primeiro encontro com uma língua aborígene..
Sentados num canto de salas de aula coloridas e repletas de textos, palavras, cantos, imagens, pinturas e objetos Wiradjuri, assistimos atentos à interação alegre e stimulante entre pequenos alunos e seus professors Wiradjuri. Nos chamou a atenção a desenvoltura e entusiasmo da participação dos alunos, bem como o método lúdico e organizado usado para introduzir e fixar palavras e utterances Wiradjuri.
No caminho de volta para Canberra, o linguista David Nash, da Universidade Nacional da Austrália (ANU) e membro da AIATSIS, nos recebeu em sua casa, de onde contemplamos os amplos horizontes da Terra Wiradjuri (http://www.anu.edu.au/linguistics/nash/).
Para saber mais:
http://ses.library.usyd.edu.au/bitstream/2123/6941/1/RAL-chapter-19.pdf

Desta primeira viagem, levamos para o Brasil uma série de idéias e sugestões.
-          Considerando que a a língua de alfabetização e de instrução  deve ser a primeira língua dos alunos (seja ela indígena ou não), ainda é preciso, no Brasil, desenvolver métodos adequados e melhorar a qualidade dos materiais didáticos, no caso da língua indígena ser a língua materna dos alunos. Uma iniciativa interessante no âmbito do ProDoclin (Brasil) começou em 2013: estão em andamento seis projetos-piloto para a produção de gramáticas didáticas de línguas indígenas, com concepção e metodologia unificadas, sob a coordenação do Prof. Luiz Amaral em colaboração com a Massachussets University at Amherst.

-          Deve ser considerados os contextos em que há diversidade linguística na própria sala de aula, situação não rara no Brasil; entronar uma das línguas ou uma das variedades como a única que merece lugar na educação escolar é um problema e não uma solução; os processos de estandardização linguística deveriam ser amplamente discutidos nas comunidades envolvidas, uma vez que estas estejam cientes do que está em jogo e das consequências.

-          Ainda não mereceu a devida atenção o ensino de língua indígena como segunda língua. Os projetos ProDoclin para gramáticas didáticas incluem também esta possibilidade, já que cada vez mais os alunos indígenas chegam à escolar tendo o português como primeira língua, apesar de ter parentes da 2a geração ascendente falantes de uma ou mais línguas indígenas.

Bruna Franchetto

Aula de língua Wiradjuri em escola pública de Parkes


A visita à cidade de Parkes evidenciou, para mim, duas coisas: (1) como uma língua, parte central da cultura de um povo, é essencial para o seu bem-estar; e (2) como é difícil revitalizar uma língua que já não é falada há décadas. Irei detalhar cada um desses pontos, mas primeiro quero apresentar a cidade de Parkes: 10.000 habitantes localizados no meio do território tradicional Wiradjuri.

Em cada escola que visitamos, encontramos diretores entusiasmados com razões objetivas para apoiar as aulas de língua Wiradjuri. Antes do programa começar, as crianças aborígenes estavam entre os alunos com o mais baixo rendimento no que concerne alfabetização e matemática, assim como com a frequência mais baixa. O programa, que não comporta apenas o ensino da língua, mas também de aspectos da cultura aborígene e que atinge toda a população da escolar, não somente as crianças aborígenes, mudou a realidade. As crianças aborígenes se tornaram orgulhosas de sua herança, enquanto as crianças não-aborígenes começaram a respeitar a cultura dos donos originários destas terras. Isto resultou num impacto indireto mas eficaz sobre o rendimento das crianças aborígenes, assim como está ajudando a eliminar preconceitos raciais de longa data.

A língua Wiradjuri é aprendida em contextos significativos, como reconhecimento do território, saudações, nomes de animais e de itens culturais. Ninguém dos nossos anfitriões, todavia, é ou declara ser fluente em Wiradjuri, apesar do programa estar funcionando há 10 anos. É muito difícil revitalizar, literalmente, uma língua. Somente o futuro nos dirá se é possível recuperá-la inteiramente, mas certamente é uma tarefa difícil.

Em Parkes comecei a entender que alguns dos conceitos que trouxe comigo do Brasil a respeito de terras indígenas e “identidade indígena” não traduzem adequadamente a situação australiana. No caso wiradjuri, o status de “terra indígena” não significa propriedade ou posse da terra  e “ser nativo” não significa o que significa no Brazil. Estou apenas começando a entender as diferenças e não seria correto começar fazendo afirmações não fundamentadas.


Rafael Nonato

Wiradjuri Land


2a viagem – visita à VLAC em Melbourne – 24-27 de fevereiro

Em 24 de fevereiro, voamos para Melbourne, onde passamos dois dias conhecendo os projetos da Victorian Aboriginal Corporation for Languages (VACL) A VACL é uma instituição com 20 anos de existência fundada por John Atkinson, também conhecido como Tio Sandy, um ancião Moidaban. Ele foi nosso anfitrião, junto com o responsável executivo da VACL Paul Patton. A vivacidade de Tio Sandy, com seus 81 anos, é impressionante assim como a sua história de vida: ele foi o primeiro aborígene membro de um comitê da UNESCO e ele ocupou também vários cargos governamentais antes de fundar a VACL.
Nosso primeiro dia na VACL começou com uma conversa informal com nossos anfitriões e outros pesquisadores, seguida pelo almoço. Na parte da tarde, assistimos a apresentação de Paul Paton com o título “Revitalizando línguas aborígenes em Victória”, o que nos deu um panorama dos povos e das línguas da região e seu status em termos de revitalização. Em seguida, a linguista da VACL Dra Christina Eira apresentou os projetos da VACL.
Duas atividades aconteceram em nosso segundo e ultimo dia em Melbourne: primeiro, visitamos a escolar primária Thornbury, onde fomos introduzidos ao projeto da VACL sobre a língua Woiwurrung. Sentamos em uma sala de aula onde alunos de 3a e 4a série, além de outras atividades, criaram cantos e realizaram breves diálogos em Woiwurrung. Conversamos com o professor sobre métodos e atividades “ post-escolares” e extra-curriculares. A segunda atividade do dia foi a visita à exposição “The first Peoples” no Museu de Melbourne. A exposição é o produto de um esforço conjunto entre os curadores, os pesquisadores da VACL e as comunidades aborígenes de Victoria, com forte ênfase nas línguas nativas e seus vinculos com os territórios.

Livia Camargo

Na sede da VACL em Melbourne

Uncle Sandy, Paul Patton, Mandy Nicholson e Christina Eira nos introduziram às atividadades dos projetos da VACL (Victorian Aboriginal Corporation for Languages (http://www.vaclang.org.au). Uncle Sandy é um story-teller cativante; Mandy transmite de imediato seu entusiasmo e compromisso com o resgate das língua nativas de Victoria, sobretudo de sua comunidade (Wurundjeri).

A experiência que tivemos em Melbourne se somou à de Parkes, já que em ambos os contextos prevalecem iniciativas de revitalização de línguas já extintas ou em desuso, Essas iniciativas, com suas metodologias e práticas, são relevantes para o Brasil, país que não possui nenhuma política voltada à revitalização de línguas indígenas não mais faladas, mas objeto de muitas demandas por parte de comunidades que querem retomar suas línguas ancestrais (“retomar”, aqui, não implica a voltar a usar uma língua, mas, sim, um ato político de apropriação de memórias e conhecimentos). As experiências australianas nesse campo podem ser inspiradoras. Há não um, mas vários métodos de revitalização e o que nós vimos de perto em Parkes e Melbourne foi o aplicado em programas de ensino de línguas aborígenes em escolas públicas urbanas. Isso merece algum comentários em dois planos, sobretudo para os leitores no Brasil, país onde há mais de 150 línguas indígenas vivas, mas todas ameaçadas, já que minoritárias e submetidas à crescente dominação da língua nacional, sobretudo através da escola e das mídia.
De um lado, sabemos que a população indígena urbana no Brasil está aumentando; nas cidades, especialmente as que estão situadas no entorno das terras indígenas, crianças e adolescentes indígenas frequentam escolas que não oferecem se não ensino em português. Nenhuma atenção é dada às línguas que essas crianças falam em casa ou nas aldeias das quais provêm; nenhum conteúdo é dado sobre história e culturas nativas. As práticas educacionais dessas escolas contradizem frontalmente os princípios de respeito da diferença linguística e cultural, tornando-se instrumento de uma assimilação forçada já condenada na constituição brasileira, em leis, por linguistas, antropólogos e indigenistas. Em outro plano, a lei não trata explicitamente das línguas nativas, absorvendo-as, provavelmente, na categoria abrangente de ‘cultura(s)’. Isso faz com que a diversidade linguística não seja abordada, prevalecendo estereótipos e noções equivocadas.

As experiência de Parkes e da VACL nos mostraram também como a documentação e os acervos digitais accessíveis às comunidades sejam cruciais, seja eles voltados à identificação e recuperação de materiais escritos e registrações audio deixados por viajantes e pesquisadores ao longo da história colonial, seja os produzidos a partir do registro de línguas ainda faladas e vitais.

Bruna Franchetto

Sala de aula de língua Woiwurrung

Na nossa visita a Melbourne, vimos um programa semelhante ao que conhecemos em Parkes. Entendemos que se trata de um programa inspirado na experiência de Parkes. O caso de Melbourne, todavia, apresenta especificidades, como, por exemplo, a dificuldade trazida pelo fato de que a população aborígene de Melbourne não é homogênea, o que coloca a questão de qual língua deve ser ensinada. No que concerne métodos e consequências, o projeto em Melbourne parece muito semelhante ao de Parkes. O programa resulta na melhoria do bem-estar e da vida acadêmica dos alunos aborígenes, além de ajudar na superação de preconceitos. Mais uma vez, percebemos a dificuldade de revitalizar uma língua para além de diálogos ritualizados e formuláicos.

Passamos a maior parte do primeiro dia em Melbourne, na Victoria Aboriginal Corporation for Languages, aprendendo sobre a história da colonização na Austrália, especificamente no estado de Victoria, assim como falamos da história da colonização brasileira e das populações indígenas no Brasil. Demorou um certo tempo para perceber que éramos considerados “índios brasileiros”. Mesmo tendo algum antepassado indígena, como a maioria dos brasileiros tem, nós não nos idenficamos assim. Essas situações esclarecem as assumpções mutuamente equivocadas de nossos anfitriões e de nos mesmos no que diz respeito ao sentido de “ser índio/aborígene”. Não é tanto uma questão de ascendência predominante, mas é uma questão de auto-identificação e reconhecimento por parte de uma comunidade.

Rafael Nonato

Uncle Sandy e Rafael Nonato na sala de aula de língua Woiwurrung

Materiais didáticos em língua Woiwurrung na sala de aula

Melbourne: a exposição sobre os povos aborígenes de Victoria


De volta a Canberra.


Dia Internacional da Mulher: comemoração na Aiatsis (foto Bruna Franchetto)

Em breve! Notícias do 13o Workshop sobre Línguas Australianas, realizado em Canberra e Kioloa, campus litorâneo da ANU, 7-9 de março 2014. 

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