Chegamos em Canberra, capital da Austrália,
no dia 10 de fevereiro, com uma diferença de fuso horário de 11 horas a mais.
Na primeira semana, conhecemos a sede e
vários membros da AIATSIS, a maioria linguistas. Além disso, planejamos as
atividades a serem realizadas até o final de nossa estadia, com viagens,
entrevistas, seminários e conferências.
Visitem o site da AIATSIS! http://www.aiatsis.gov.au/
Visitem o site da AIATSIS! http://www.aiatsis.gov.au/
13 de fevereiro 2014, não é o "dia nacional do aborígene", mas é o Sorry Day (Dia de dizer "Desculpem!"):
Sorry Day and the Stolen Generations
(trecho retirado de http://australia.gov.au/about-australia/australian-story/sorry-day-stolen-generations)
Atenção. Este artigo pode conter nomes e imagens de pessoas aborígenes falecidos. Ele também contém links para os sites que podem usar imagens de pessoas falecidas.
O primeiro National Sorry Day foi realizado em 26 de maio 1998 – um
ano depois da divulgação do relatório Bringing them Home, maio
1997. O relatório resultou de uma investigação por parte da Human Rights and Equal Opportunity Commission sobre a remoção forçada de crianças
aborígenes de suas famílias.
O public and political debate em torno da remoção foi marcado por intense
atividade política political activity desde a segunda metade dos anos 1980.
Em 1992 o primeiro ministro Keating reconheceu que 'nós tomamos as crianças de
suas mães' numa fala em Redfern. Em 1994, foi iniciada uma ação judiciária na
Suprema Corte de New South Wales. Estas crianças children who were removed se tornaram conhecidas como “a geração
roubada” Stolen Generations.
Instalação na frente da sede da Aiatsis
para a comemoração do Sorry Day (13/02/2014, foto Bruna Franchetto)
1a viagem – visita a Parkes – 17-19 de Fevereiro
Geoff Anderson é sem dúvida o coração e a alma do programa da língua
Wiradjuri. Ele se tornou o coordenador de um projeto que já tem 10 anos e que
hoje envolve 3 escolas primárias e uma escolar de Segundo grau na cidade de
Parkes, 200 km de Canberra, estado de North West Whales. Foi inspirador
acompanhar Geoff pela cidade e vaer como o programa foi aceito pelos diretores
das escolas e se desnvolveu em cada escola de modo específico. Foram visitadas
3 escolas primárias da Henry Parkes Learning Community: Parkes Public, Parkes
East, and Middleton. Sentamos nas aulas de língua e conversamos com professors,
instrutores de língua e diretores sobre váarios aspectos do projeto Wiradjuri:
metodologias, o objetivo e a sequência do curriculum e como o programa foi
desenhado de acordo ao envolvimento das comunidades locais, o treinamento dos
instrutores, as atividades culturais extra-curriculares desenvolvidas em cada
escolar, bem como os resultados do projeto como um todo. Senti que o resultado
mais relevante foi a superação dos problemas da geração anterior, graças ao
declínio do racism e a melhoria da presença dos alunos aborígenes na escolar
bem como de seu rendimento na alfabetização e matemática.
Livia Camargo
Souza
Yamandhu marang? – como você está?
Ngawa baladhu marang - estou bem
Yuwin ngadhi Bruna – meu nome é Bruna
Minyang nginha? – o que é isto?
Lembro apenas estas curtas frases em
Wiradjuri, muito pouco para um linguista brasileiro recém chegado e desejoso de
falar e entender pelo menos algumas frases e palavras em uma língua aborígene,
mas suficiente para começar a acostumar o ouvido e a boca a novos e fascinantes
sons.
Geoff Anderson, que começou o School-based Wiradjuri Language Program, os professores
Wiradjuri Ron Wardrop (escolar Parkes
Public) e Lionel Lovett (escolar Parkes East) foram nossos guias nesse primeiro
encontro com uma língua aborígene..
Sentados num canto de salas de aula coloridas
e repletas de textos, palavras, cantos, imagens, pinturas e objetos Wiradjuri,
assistimos atentos à interação alegre e stimulante entre pequenos alunos e seus
professors Wiradjuri. Nos chamou a atenção a desenvoltura e entusiasmo da
participação dos alunos, bem como o método lúdico e organizado usado para
introduzir e fixar palavras e utterances Wiradjuri.
No caminho de volta para Canberra, o linguista
David Nash, da Universidade Nacional da Austrália (ANU) e membro da AIATSIS,
nos recebeu em sua casa, de onde contemplamos os amplos horizontes da Terra
Wiradjuri (http://www.anu.edu.au/linguistics/nash/).
Para saber mais:
http://ses.library.usyd.edu.au/bitstream/2123/6941/1/RAL-chapter-19.pdf
Desta primeira viagem, levamos para o Brasil
uma série de idéias e sugestões.
-
Considerando que a a língua de alfabetização e de instrução deve ser a primeira língua dos alunos (seja
ela indígena ou não), ainda é preciso, no Brasil, desenvolver métodos adequados
e melhorar a qualidade dos materiais didáticos, no caso da língua indígena ser
a língua materna dos alunos. Uma iniciativa interessante no âmbito do ProDoclin
(Brasil) começou em 2013: estão em andamento seis projetos-piloto para a
produção de gramáticas didáticas de línguas indígenas, com concepção e
metodologia unificadas, sob a coordenação do Prof. Luiz Amaral em colaboração
com a Massachussets University at Amherst.
-
Deve ser considerados os contextos em que há diversidade linguística na
própria sala de aula, situação não rara no Brasil; entronar uma das línguas ou
uma das variedades como a única que merece lugar na educação escolar é um
problema e não uma solução; os processos de estandardização linguística
deveriam ser amplamente discutidos nas comunidades envolvidas, uma vez que
estas estejam cientes do que está em jogo e das consequências.
-
Ainda não mereceu a devida atenção o ensino de língua indígena como
segunda língua. Os projetos ProDoclin para gramáticas didáticas incluem também
esta possibilidade, já que cada vez mais os alunos indígenas chegam à escolar
tendo o português como primeira língua, apesar de ter parentes da 2a geração
ascendente falantes de uma ou mais línguas indígenas.
Bruna Franchetto
Aula de língua Wiradjuri em escola pública de Parkes
A visita à
cidade de Parkes evidenciou, para mim, duas coisas: (1) como uma língua, parte
central da cultura de um povo, é essencial para o seu bem-estar; e (2) como é
difícil revitalizar uma língua que já não é falada há décadas. Irei detalhar
cada um desses pontos, mas primeiro quero apresentar a cidade de Parkes: 10.000
habitantes localizados no meio do território tradicional Wiradjuri.
Em cada escola
que visitamos, encontramos diretores entusiasmados com razões objetivas para
apoiar as aulas de língua Wiradjuri. Antes do programa começar, as crianças
aborígenes estavam entre os alunos com o mais baixo rendimento no que concerne
alfabetização e matemática, assim como com a frequência mais baixa. O programa,
que não comporta apenas o ensino da língua, mas também de aspectos da cultura
aborígene e que atinge toda a população da escolar, não somente as crianças
aborígenes, mudou a realidade. As crianças aborígenes se tornaram orgulhosas de
sua herança, enquanto as crianças não-aborígenes começaram a respeitar a cultura
dos donos originários destas terras. Isto resultou num impacto indireto mas
eficaz sobre o rendimento das crianças aborígenes, assim como está ajudando a
eliminar preconceitos raciais de longa data.
A língua
Wiradjuri é aprendida em contextos significativos, como reconhecimento do
território, saudações, nomes de animais e de itens culturais. Ninguém dos
nossos anfitriões, todavia, é ou declara ser fluente em Wiradjuri, apesar do
programa estar funcionando há 10 anos. É muito difícil revitalizar,
literalmente, uma língua. Somente o futuro nos dirá se é possível recuperá-la
inteiramente, mas certamente é uma tarefa difícil.
Em Parkes comecei
a entender que alguns dos conceitos que trouxe comigo do Brasil a respeito de
terras indígenas e “identidade indígena” não traduzem adequadamente a situação
australiana. No caso wiradjuri, o status de “terra indígena” não significa propriedade
ou posse da terra e “ser nativo” não
significa o que significa no Brazil. Estou apenas começando a entender as
diferenças e não seria correto começar fazendo afirmações não fundamentadas.
Rafael Nonato
Wiradjuri Land
2a viagem –
visita à VLAC em Melbourne – 24-27 de fevereiro
Em 24 de
fevereiro, voamos para Melbourne, onde passamos dois dias conhecendo os
projetos da Victorian Aboriginal Corporation for Languages (VACL) A VACL é uma
instituição com 20 anos de existência fundada por John Atkinson, também
conhecido como Tio Sandy, um ancião Moidaban. Ele foi nosso anfitrião, junto
com o responsável executivo da VACL Paul Patton. A vivacidade de Tio Sandy, com
seus 81 anos, é impressionante assim como a sua história de vida: ele foi o
primeiro aborígene membro de um comitê da UNESCO e ele ocupou também vários
cargos governamentais antes de fundar a VACL.
Nosso primeiro
dia na VACL começou com uma conversa informal com nossos anfitriões e outros
pesquisadores, seguida pelo almoço. Na parte da tarde, assistimos a
apresentação de Paul Paton com o título “Revitalizando línguas aborígenes em
Victória”, o que nos deu um panorama dos povos e das línguas da região e seu
status em termos de revitalização. Em seguida, a linguista da VACL Dra Christina
Eira apresentou os projetos da VACL.
Duas atividades
aconteceram em nosso segundo e ultimo dia em Melbourne: primeiro, visitamos a
escolar primária Thornbury, onde fomos introduzidos ao projeto da VACL sobre a
língua Woiwurrung. Sentamos em uma sala de aula onde alunos de 3a e 4a série,
além de outras atividades, criaram cantos e realizaram breves diálogos em
Woiwurrung. Conversamos com o professor sobre métodos e atividades “
post-escolares” e extra-curriculares. A segunda atividade do dia foi a visita à
exposição “The first Peoples” no Museu de Melbourne. A exposição é o produto de
um esforço conjunto entre os curadores, os pesquisadores da VACL e as
comunidades aborígenes de Victoria, com forte ênfase nas línguas nativas e seus
vinculos com os territórios.
Livia Camargo
Na sede da VACL em Melbourne
Uncle Sandy, Paul Patton, Mandy Nicholson e Christina Eira nos
introduziram às atividadades dos projetos da VACL (Victorian Aboriginal Corporation for
Languages (http://www.vaclang.org.au). Uncle Sandy é um story-teller cativante; Mandy transmite de imediato
seu entusiasmo e compromisso com o resgate das língua nativas de Victoria,
sobretudo de sua comunidade (Wurundjeri).
A experiência que tivemos em Melbourne se somou à de Parkes, já que em
ambos os contextos prevalecem iniciativas de revitalização de línguas já
extintas ou em desuso, Essas iniciativas, com suas metodologias e práticas, são
relevantes para o Brasil, país que não possui nenhuma política voltada à revitalização
de línguas indígenas não mais faladas, mas objeto de muitas demandas por parte
de comunidades que querem retomar suas línguas ancestrais (“retomar”, aqui, não
implica a voltar a usar uma língua, mas, sim, um ato político de apropriação de
memórias e conhecimentos). As experiências australianas nesse campo podem ser
inspiradoras. Há não um, mas vários métodos de revitalização e o que nós vimos
de perto em Parkes e Melbourne foi o aplicado em programas de ensino de línguas
aborígenes em escolas públicas urbanas. Isso merece algum comentários em dois
planos, sobretudo para os leitores no Brasil, país onde há mais de 150 línguas
indígenas vivas, mas todas ameaçadas, já que minoritárias e submetidas à
crescente dominação da língua nacional, sobretudo através da escola e das
mídia.
De um lado, sabemos que a população indígena urbana no Brasil está
aumentando; nas cidades, especialmente as que estão situadas no entorno das
terras indígenas, crianças e adolescentes indígenas frequentam escolas que não
oferecem se não ensino em português. Nenhuma atenção é dada às línguas que
essas crianças falam em casa ou nas aldeias das quais provêm; nenhum conteúdo é
dado sobre história e culturas nativas. As práticas educacionais dessas escolas
contradizem frontalmente os princípios de respeito da diferença linguística e
cultural, tornando-se instrumento de uma assimilação forçada já condenada na
constituição brasileira, em leis, por linguistas, antropólogos e indigenistas.
Em outro plano, a lei não trata explicitamente das línguas nativas,
absorvendo-as, provavelmente, na categoria abrangente de ‘cultura(s)’. Isso faz
com que a diversidade linguística não seja abordada, prevalecendo estereótipos
e noções equivocadas.
As experiência de Parkes e da VACL nos mostraram também como a
documentação e os acervos digitais accessíveis às comunidades sejam cruciais,
seja eles voltados à identificação e recuperação de materiais escritos e
registrações audio deixados por viajantes e pesquisadores ao longo da história
colonial, seja os produzidos a partir do registro de línguas ainda faladas e
vitais.
Bruna Franchetto
Na nossa
visita a Melbourne, vimos um programa semelhante ao que conhecemos em Parkes.
Entendemos que se trata de um programa inspirado na experiência de Parkes. O caso
de Melbourne, todavia, apresenta especificidades, como, por exemplo, a
dificuldade trazida pelo fato de que a população aborígene de Melbourne não é
homogênea, o que coloca a questão de qual língua deve ser ensinada. No que
concerne métodos e consequências, o projeto em Melbourne parece muito
semelhante ao de Parkes. O programa resulta na melhoria do bem-estar e da vida
acadêmica dos alunos aborígenes, além de ajudar na superação de preconceitos. Mais
uma vez, percebemos a dificuldade de revitalizar uma língua para além de
diálogos ritualizados e formuláicos.
Passamos a
maior parte do primeiro dia em Melbourne, na Victoria Aboriginal Corporation
for Languages, aprendendo sobre a história da colonização na Austrália,
especificamente no estado de Victoria, assim como falamos da história da
colonização brasileira e das populações indígenas no Brasil. Demorou um certo
tempo para perceber que éramos considerados “índios brasileiros”. Mesmo tendo
algum antepassado indígena, como a maioria dos brasileiros tem, nós não nos
idenficamos assim. Essas situações esclarecem as assumpções mutuamente
equivocadas de nossos anfitriões e de nos mesmos no que diz respeito ao sentido
de “ser índio/aborígene”. Não é tanto uma questão de ascendência predominante,
mas é uma questão de auto-identificação e reconhecimento por parte de uma
comunidade.
Rafael Nonato
Uncle Sandy e Rafael Nonato na sala de aula de língua Woiwurrung
Materiais didáticos em língua Woiwurrung na sala de aula
Melbourne: a exposição sobre os povos aborígenes de Victoria
De volta a Canberra.
Dia Internacional da Mulher: comemoração na Aiatsis (foto Bruna Franchetto)
Em breve! Notícias do 13o Workshop sobre Línguas Australianas, realizado em Canberra e Kioloa, campus litorâneo da ANU, 7-9 de março 2014.
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