quinta-feira, 27 de março de 2014

ADELAIDE, capital da Autrália do Sul.

Chegamos em Adelaide, de Canberra, no dia 12 de março, acompanhados por Michael Walsh, da AIATSIS, e recebidos por Ghil'ad Zuckermann da Universidade de Adelaide. Ghil’ad é um ser carismático, apaixonado e em eterno movimento, que tem como missão espalhar na Austrália a boa nova da “revitalística”. O termo foi criado pelo próprio Prof. Zuckermann, que acredita que a revitalização de línguas é um campo interdisciplinar emergente que precisa de departamentos específicos nas universidades. Só para ter uma idéia, Ghil’ad assina seus e-mails como:

Chair of Linguistics and Endangered Languages
School of Humanities
The University of Adelaide
Adelaide SA 5005, Australia

ghilad.zuckermann@adelaide.edu.au

Office: +61 8 8313 5247
Mobile: +61 423 901 808

http://www.zuckermann.org/
http://adelaide.academia.edu/zuckermann/
http://www.adelaide.edu.au/directory/ghilad.zuckermann
http://www.facebook.com/ProfessorZuckermann

Author of Revival Linguistics, Oxford University Press, forthcoming
Author of Israelit Safa Yafa (Israeli - A Beautiful Language), Am Oved, 2008,http://www.zuckermann.org/israelit.html
Author of Language Contact and Lexical Enrichment in Israeli Hebrew, Palgrave Macmillan, 2003, http://www.zuckermann.org/enrichment.html
Second Author of the Israeli Tingo, Keren, 2011
Editor of Burning Issues in Afro-Asiatic Linguistics, Cambridge Scholars, 2012 http://www.c-s-p.org/Flyers/Burning-Issues-in-Afro-Asiatic-Linguistics1-4438-4070-X.htm
Editor of Jewish Language Contact, Special Issue of the International Journal of the Sociology of Language, 2014

No dia seguinte viajamos para Whyalla, território Barngarla, na costa da península Eyre, quase seis horas de carro. 

No caminho de Wyhalla, com Gilh'ad em Port Germein

Wyhalla

Sabíamos que íamos assistir à fase inicial de um projeto de revitalização, já que a língua aborígene não é falada há décadas. Foi uma imersão na revitalização da língua Barngarla e a interdisciplinaridade não faltou. Uma vez em Whyalla, soubemos que o Barngarla language reclamation é uma iniciativa paralela ao Native Title Reclamation, primeiro passo para um longo processo que leva, quando bem sucedido, à concessão pelo Estado (australiano) de “título nativo” incidente sobre uma terra que corresponderia a um pedaço do território tradicional aborígene, no caso dos Barngarla. Lembramos que não há direitos originários à terra (como definidos na Constituição brasileira) e que trata-se quase sempre de terras já e definitivamente ocupadas.

Nossa primeira parada foi na escola primária de Hincks, onde os alunos revelam a densidade da população aborígene no “hub” (aborígene) constituído pelas cidades de Port Augusta, Whyalla e Port Lincoln: aproximadamente 40% dos alunos provêm de famílias aborígenes. Anita Taylor, que se identifica como uma “Barngarla girl” trabalha na escola há 10 anos e é o link entre esta e a equipe de revitalização dedicada ao desenvolvimento de um projeto piloto para ensinar a língua Barngarla.
           
O Prof. Zuckermann garantiu a disseminação da boa nova e, assim, nós nos encontramos sentados em volta de uma fila de carteiras de escolar primária muito bem arrumadas para que coubessem todos os visitantes (14). Além do team brasileiro e de Michael Walsh, representante da AIATSIS, os outros eram representantes de instituições variadas, como DECD, The Children's University (a Universidade das Crianças), a Universidade de Adelaide, o Mobile Language Team, e dois jornalistas de mídias veículos locais e internacionais, além de Dawn, um ancião Barngarla, representando o BLAC, Barngarla Language Advising Committee. A reunião foi aberta com muitas questões a serem discutidas pelo BLAC em sua reunião fechada, e fotos de grupo para os jornais locais.
           
Seguiu o workshop “Barngarla language reclamation”, com participantes vindo de várias cidades da região, estudantes e representantes da Universidade de Adelaide e do Mobile Language Team. Com o objetivo de obter a aprovação pelas comunidades, o Prof. Zuckermann introduziu o Barngarla website, que inclui uma versão online do dicionário Barngarla (1884) com ortografia atualizada e ferramentas de busca. Ele sugeriu que os participantes aborígenes criassem novas palavras a serem introduzidas sobretudo para conceitos decorrentes do contato e que não estão no dicionário de 1844. Esta mesma tarefa já tinha sido iniciada em workshop anterior realizado em Port Augusta.



Barngarla Language Reclamation Workshop em Wyhalla

Em apresentações individuais, cada membro das comunidades presentes expressou  seu desejo de aprender a língua e nos pareceu que a expectativa fosse a de que o workshop fosse dedicado à aprendizagem da língua. Steve Atkinson (ótimo orador) levantou a questão de que o essencial para os Barngarla seria aprender elementos básicos de sua língua antes de começar a “making up new words and getting confused (criar novas palavras e ficar confusos)”. Segundo ele, as palavras que o Prof. Zuckermann (e seus estudantes) criaram e introduziram em Port Augusta eram interessantes, mas que é preciso começar do começo antes de iniciar atividades mais elaboradas.
           
O Prof. Zuckermann defendeu a nova ortografia por ele adotada para o dicionário digital e falou brevemente sobre a sua adequação para falantes do inglês como primeira língua, que é o caso dos Barngarla. Após apresentar alguns tópicos sobre a pronúncia Barngarla, passou a alguns exercícios e andou pela sala perguntando “Nina Yoowa?” (como você está?), típica saudação. Alguém perguntou a razão de usar entonação crescente em Barngarla quando fazer uma pergunta, já que esta não parece ser uma característica tipológica de muitas línguas australianas. A questão ficou em aberto para discussão em futuros workshops. O Prof. Zuckermann nos convidou e também ao Prof. Walsh para que falássemos sobre nossos trabalhos, antes de ir para a reunião do BLAC na parte da tarde.

Uma semana apenas foi tempo insuficiente para abordar todos os problemas não resolvidos do Barngarla Language Program. Um longo dia de workshop e de discussão nos deu somente uma ideia do esforço emergente. O jantar foi uma excelente ocasião para conversar informalmente com os Barngarla e ter uma noção de sua vida em Port Augusta,Whyalla e Port Lincoln. Ficamos impressionados com a determinação, força e a liderança das mulheres, e sua capacidade de organização.

Mulheres Barngarla





            E homens Barngarla

Anita Taylor
Golfinhos na baia de Wyhalla (voltando para Adelaide).

Voltamos para Adelaide no dia 15 para um decepcionante “Spirit Festival”, com workshops paralelos sobre línguas e artes aborígenes, mal situados sob uma mesma tenda, enquanto uma música nada aborígenes tocava ruidosamente do lado de fora. Muitos dos aborígenes que estavam por lá pareciam compartilhar da mesma decepção, sentados na grama do lado de fora, na Victoria Square. O workshop sobre a língua Kaurna, todavia, foi uma boa oportunidade para conhecer um pouco da língua e conhecer Rob Amery, linguista que estava liderando as atividades.

Spirit Festival



No dia seguinte, visitamos a sede do Kaurna Warra Pintyanthi Program, uma iniciativa colaborativa que une os Kaurna, linguistas and voluntários que buscam ‘re-empoderar’ a comunidade Kaurna por meio da reclamation e resgate de sua língua. Conversamos com várias pessoas: os linguistas Rob Amery e Marianne Gail, os Kaurna (Steve Gadlabarti Goldsmith e Jack Buckskin), o etnomusicólogo Chester Schultz, e o administrador Gerhard Kuula Rüdiger. Marianne nos contou da sua vasta experiência no ensino da língua, nos cursos e certificados TAFE e dos trabalhos com os Ngarrindjeri, inspirados pelo programa de revitalização do Kaurna. Ela enfatizou a importância do treinamento e nos deu muitos materiais sobre as línguas Ngarrindjeri e Pitjantjatjara. Jack, que estreou o filme ainda não divulgado “Buckskin” é considerado um dos falantes mais fluentes do revitalizado Kaurna. Ele tem ensinado Kaurna em high schools da SA e também em sua casa, para a sua pequena filha. Steve, por outro lado, é responsável por um programa radio semanal – Nanga Wanga – e trabalha na produção de vídeos como suportes para a aprendizagem do Kaurna para comunidades e estudantes. Conhecemos também Uncle Willys, um ancião Kaurna, que cresceu nas missões e trabalha com Rob Amery desde os 1990. Ele falou de sua experiência na missão, da revitalização da língua e nos deu noções sobre a natureza da educação aborígene tradicional: uma aparente brincadeira com barbantes ou cordinhas é, por exemplo, uma metodologia nativa para ensinar através da observação e da prática.

Materiais para a revitalização de línguas da SA

No dia seguinte, visitamos o escritório do Mobile Language Team, uma instituição que apoia as línguas aborígenes em SA. Uma vez que a instituição se estabeleceu na Universidade de Adelaide em 2009, um dos objetivos estratégicos é a sua transição para o pleno controle dos aborígenes. Suas atividades vão da documentação e preservação linguística à capacitação e contratação de jovens aborígenes. Falamos com todos da equipe: Karina Lester, uma mulher Yankunytjatjara, e Clayton Cruse, um homem Adnyamathanha, ambos aboriginal language workers que compartilham suas experiências com muitas comunidades na SA; o diretor Trevor Buzzacott, e o Prof. Peter Mühlhäuser, que depois nos levou para almoçar no Jardim Botânico de Adelaide e nos falou de seu trabalho como linguista no contexto extraordinário da Ilha de  Norfolk; e Paul Monaghan, que já tínhamos conhecido no Barngarla reclamation workshop.


Uma coisa ficou muito clara: a enorme importância da documentação existente para o resgate de línguas (e não apenas). Há um esforço gigantesco na Austrália para identificar, recuperar, arquivar e divulgar todas as fontes documentais (notas, diários, listas de palavras, dicionários, gramáticas...), que, na maioria dos casos, são os únicos suportes para recuperar (ou reinventar) uma língua. Neste contexto, os missionários – na maioria protestantes, como luteranos, presbiterianos, batistas – são ao mesmo tempo vilões e heróis, por ter contribuído para o estabelecimento dos aldeamentos (missions) e a evangelização forçada e em massa, mas, por outro lado, por ter deixado a grande maioria dos registros linguísticos (e não somente) existentes.
           
Nos dias passados em Adelaide, o team brasileiro e os representantes da AIATSIS (Michael Walsh e Doug Marmion) realizaram três seminários, organizados pelo Prof. Zuckerman, para públicos diferenciados na Universidade de Adelaide: nós demos um panorama da situação dos povos indígenas no Brasil, e suas línguas; Michael Walsh falou da língua e da cosmologia reveladas pelos cantos Murrinh Patha; Doug Marmion apresentou os resultados do NIELS 2 (do qual já falamos). Nossa atividade final foi uma conversa informal, extremamente interessante, durante um almoço com membros do staff do Indigenous Language Support, o sistema que financia os programas de apoio às línguas aborígenes da Austrália do Sul. Soubemos que cerca de 10 milhões de dólares australianos são destinados anualmente, para programas e projetos de revitalização e manutenção de línguas aborígenes. E nos dizem que é pouco.


Last but not least, Adelaide é uma linda e tranquila cidade, muito verde, muito agradável. Visitamos a Artíndia de Adelaide: Tandanya. O Museu tem uma exposição deslumbrante sobre povos aborígenes. Saindo dela, fica para sempre a confirmação de que as populações nativas da Austrália - outrora consideradas como o elo entre Homo sapiens e Homo Neanderthalensis - alcançaram uma sofisticação tecnológica sem par para a vida de caçadores e coletores num ambiente não exatamente amigável, bem como uma arte-iconografia finíssima e de grande complexidade. 

O Museu de Adelaide





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