terça-feira, 18 de março de 2014

13o Workshop on Aboriginal Languages - Kioloa (ANU)

6 março: Lançamento do Living Archives of Australian Languages (LAAL). Vejam tudo em:
 www.cdu.edu.au/laal

O 13o Australian Languages Workshop começou na sede da AIATSIS em Canberra, na tarde do dia 7 de março e continuou em Kioloa, o campus litorâneo da ANU, nos dias 8 e 9 março. 
Vejam a programação do workshop (pdf)!
https://drive.google.com/file/d/0B3NMV4qrdP7IUFRBb3NOYXpwRm8/edit?usp=sharing

Na tarde do dia 7, foram realizadas duas sessões paralelas, uma sobre História e Parentesco, outra sobre natureza, gestão e acesso a acervos digitais (área em que linguistas e técnicos australianos, sobretudo os da AIATSIS, são especialmente competentes e eficientes). A primeira apresentação, por Michael Christie e Jane Simpson, foi “Línguas australianas, literaturas e tecnologias no Northern Territory”.  Nesta região ainda há 60% da população nativa ainda falante de suas línguas. O foco foram os acervos que podem ser encontrados em: www.cdu.edu.au/laal. Trata-se de documentos, em sua maioria escritos, produzidos em função de programas/projetos de educação, muitos dos quais contêm registro de diferentes línguas, algumas não mais usadas. O acervo inclui material produzido na primeira fase, definida como da “educação bilíngue”, que começou em 1973 até o final dos anos 70/início anos 80. A 1ª fase foi caracterizada pela atividade missionária, principalmente nos postos de “aldeamento” chamados de missions, administrados pelo estado e pelas missões (protestantes e católicas), quando as salas de aula eram compostas por cerca de 45 alunos nenhum deles falantes de inglês. Neste período surgiram Centros de Produção de Literatura Indígena e os arquivos do LAAL contém vasto material composto por cartilhas, livros de narrativas curtas ou longas (coletadas junto aos falantes mais velhos), desenhos.

Pensando no Brasil: seria uma boa iniciativa (por parte de MEC e FUNAI) produzir acervos digitais contendo o imenso material de caráter tanto “educacional” produzido desde os anos 60, inclusive por missões nos quatro cantos do país; e seria uma excelente iniciativa se se conseguisse tornar acessíveis os materiais produzidos por missões quais o Summer Institute of Linguistics, MEVA, Novas Tribos, entre outras, rompendo as barreiras mantidas por estas instituições, que monopolizaram a pesquisa e a educação indígena por pelo menos 30 anos.

A 2ª fase, nos anos 80, foi chamada de “aboriginalized education” (o projeto Yirrkala se destaca); foi um período caracterizado por “apreciação da tradição, orgulho e participação” por parte das populações nativas envolvidas. O papel dos professores não-indígenas começou a ser relativizado. O material produzido e publicado revela maior complexidade (mapas, iconografias, pictografias, registros de aspectos culturais, jornais em língua indígena, coletâneas de narrativas com ilustrações mais sofisticadas e feitas por artistas locais). Foram implementados curricula baseados nas demandas indígenas.
A 3ª fase (anos 90) foi marcada por um retrocesso violento, com retirada dos apoios institucionais, mas, ao mesmo tempo, foi então que começaram iniciativas chamadas de “local digital knowledge work”.
Aos poucos os investimentos governamentais recomeçaram, já no final dos anos 90, tendo como resultado a apropriação da tecnologia digital, por parte dos atores indígenas e não-indígenas. Vejam em:
e o projeto Teaching from Country em território Yolngu:
Houve e há engajamento de muitos antropólogos nos projetos mencionados. O trabalho para recuperar os materiais é longo e se organiza basicamente nas seguintes e sucessivas atividades: (i) identificação e recuperação das fontes; (ii) envolvimento das comunidades indígenas; (iii) envolvimento das escolas; (iv) envolvimento de agentes acadêmicos (pesquisadores).
Hoje se observa uma interessante produção de conhecimentos através do trabalho “escolar”, assim como a consolidação de disciplinas explicadas e com materiais de qualidade em língua indígenas, como matemática, com extensão do léxico e de outros recursos linguísticos.

Pensando no Brasil: a AIATSIS tem um orçamento anual de 10 milhões de dólares australianos, valor considerado insuficiente: qual é o investimento público no Brasil para a manutenção e reforço das línguas indígenas, para a revitalização das que estão em situação de quase desaparecimento?
Por outro lado, iniciativas como a do ProDoclin e do Museu Goeldi se diferenciam, em positivo, pelo esforço na formação de pesquisadores e cineastas (documentaristas) indígenas, pelo incentivo ao surgimento de centro locais de documentação com doação de equipamentos e de acervos digitais comunitários. Ainda são poucas iniciativas, circunscritas, que sobrevivem apesar da escassez crônica de recursos.

Doug Marmion, linguista da AIATSIS, apresentou em seguida os resultados do National Indigenous Languages Survey 2 (NILS 2), cujo relatório pode ser lido em:

Pensando no Brasil: o NILS se assemelha ao Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), programa brasileiro que, finalmente, deve começar ainda em 2014. O quesito “língua” consta também do censo australiano e é bom saber que os resultados dos censo australiano apresentam os mesmos problemas dos do censo brasileiro de 2010. O NILS foi pensado e realizado para corrigir esses problemas. No relatório NILS estão os questionários usados assim como as etapas do trabalho, os procedimentos de consulta às comunidades indígenas, ferramentas e metodologia.

O que interessa aqui registrar é que o NILS 2 permitiu estabelecer com relação às línguas nativas na Austrália que: (i) 120 delas ainda são faladas, mas (ii) somente 13 podem ser consideradas vitais, fortes; (iii) 100 são extremamente ameaçadas de desaparecer; (iv) nos últimos dez anos, 5 línguas passaram de “fortes” para extremamente ameaçadas. É impressionante saber que 30 línguas estão retomando força graças aos resultados de programas de revitalização. Não podemos esquecer da grande variedade e continua dialetais e de registros (as famosas mother-in-law languages, cantos, fala infantil, masculina e feminina, etc.), variedades também fortemente ameaçada nas línguas ainda vitais.

Ainda na tarde do dia 7, Melissa Jackson apresentou os resultados já alcançados pelo programa de identificação, recuperação, catalogação, digitalização e disponibilização dos materiais sobre e em línguas indígenas australianas existentes na Biblioteca de Melbourne (entre outros, 14 km lineares de estantes com manuscritos, tarefa realizada pelo linguista Michael Walsh, da AIATSIS, e sua equipe, onde foram encontradas listas de cerca de 200 línguas). Além do acesso à documentação digitalizada, será aberta uma seção específica na própria biblioteca. E no Brasil?

A última apresentação foi a de Jaky Troy, Michael Walsh e Doug Marmion. O tema é relevante no contexto australiano: o desenvolvimento de metodologias e tecnologias para o ensino de línguas indígenas nas escolas. A apresentação está baseada nos documentos escritos para fundamentar o Australian Curriculum of Languages Assessment. Tivemos a oportunidade de ver de perto como funciona o ensino de línguas indígenas em escolas públicas urbanas, em Parkes e Melbourne. O papel da educação escolar pública está se tornando central não apenas para a revitalização como também para a difusão de conhecimentos que resultam em diminuição de racismo e preconceitos. A introdução de outras línguas nas escolas segue em 3 níveis, chamados Learner Pathways (caminhos de aprendizado): (i) First Language Pathway (L1) vale para os falantes das línguas indígenas ainda fortes, com alfabetização em língua indígena; (ii) Revival Language Learner Pathway (LR) onde há línguas indígenas “adormecidas” a serem revitalizadas; (iii) Second Language Learner Pathway (L2), visando a inclusão de línguas indígenas junto com as outras L2 (línguas de imigrantes, como italiano, japonês, etc.).

Campus da ANU em Kioloa (foto BF)

No dia 8 viajamos para Kioloa, Campus Litorâneo da ANU (Australian National University), 250 km de Canberra. O campus de Kioloa é de fato um pequeno centro para eventos e para pesquisadores e docentes que queiram se reunir, discutir, trabalhar em grupo ou em isolamento. A infraestrutura é simples e eficiente, a gestão é compartilhada e solidária, umas casas simples es confortáveis, um refeitório comum, uma bela construção com auditórios e salas. Tudo muito ecológico, sóbrio, no meio de uma área de proteção ambiental, floresta litorânea, belíssimas praias oceânicas (Pacífico), muitos mas muitos cangurus, pássaros coloridos.

Vizinhos no campus da ANU em Kioloa (foto BF)


Foto BF

O programa do workshop mostra claramente que foi um evento estritamente científico, com resultados de pesquisas em fonologia, morfologia, sintaxe, pragmática, e outras abordagens inter ou multi-disciplinares. Percebemos a qualidade e diversidade dos estudos linguísticos de línguas indígenas na Austrália. Destacamos o alto nível das investigações fonológicas, onde os estudos de prosódia e experimentais assumem cada vez mais um papel de primeiro plano. Aliás, a pesquisa experimental esteve presente em praticamente todos os campos, da fonologia à pragmática até os estudos de aquisição. A sofisticação tecnológica ficou evidente. Particularmente interessante foram os estudos lexicais e lexicográficos; observamos o desenvolvimento de dicionários cada vez mais completos e complexos, bem como a grande quantidade de gramáticas descritivas publicadas, em via de publicação ou em desenvolvimento. Em outras palavras, grande ênfase é dada a boa linguística descritiva, que, como sabemos, é o alimento dos bons trabalhos teóricos, cada vez mais voltados para a comparação não somente de línguas aparentadas.

Local do Workshop no campus de Kioloa (foto BF)

Workshop em Kioloa - 9/03/2014 (foto BF)

Querem saber da mídia indígena na Austrália? Há mais do que imaginávamos:

“Bush TV" at Alice Springs (Central Australia)
Pintupi Anmatyerr Warlpiri

Ngaanyatjarra Media

PAKAM - Pilbara and Kimberley Aboriginal Media

TEAABA media

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